Eliott Scoch em: Assassinato na escola de costura

Já era noite. O relógio não passava das nove e meia. O tempo era chuvoso e os relâmpagos fulguravam pelos céus. A aula prosseguiu tranquilamente. Era intervalo, boa parte dos alunos permaneceu na sala de aula justamente para não correrem o risco de se molhar com a tamanha tempestade que lavava a cidade. Alguns precisaram deixar a sala para comer algo na cantina. Trabalhar sem energia era quase impossível. Annie era uma delas e levou consigo o seu guarda-chuva. Ela era uma menina prevenida. Caminhava apressadamente em direção à cantina da escola onde estudava costura. Percorreu pelo pátio que era cercado por placas de aço em virtude de uma reforma. Provisório, mas muito parecido com o muro de Berlim. Desceu os grandes e extensos degraus do pátio, procurando desviar das poças d água e antes mesmo de chegar ao outro pátio coberto, o que ela mais desejava agora, uma cobertura... Testemunhou o que os olhos de uma pessoa jamais gostariam de testemunhar.

Em meio à ventania, à força da chuva e a raios e relâmpagos, Annie parou, petrificada. Próximo a ela havia um morrinho de grama. Na parte superior dele havia uma trilha que dava acesso aos fundos da sala onde estudava, porém havia ali uma barra de madeira interditando a passagem. De onde estava ela pôde ver o pior acontecer. Annie já não mais se importava com a chuva, com os raios, com a ventania. Ela se preocupava com a vida que agora foi tirada. Annie testemunhou um assassinato. Viu repentinamente o assassino cometer o seu crime, golpeando a vítima com um objeto cortante e deixando o cenário. O nervosismo dominou o seu corpo. Ela já estava quase molhada por causa da chuva. Será que ele me viu? Eu preciso sair daqui, pensou desesperada. Correu para o pátio coberto, comprou o seu lanche e com o corpo ainda trêmulo, ela rezava para que a hora do retorno pra a aula fosse a mais longa possível.

- Meu Deus do Céu! Que chuva! – Simon Derek entrou na sala. Esta abrigava inúmeras máquinas de todos os tipos, de todos os formatos e de todas as complexidades que somente ele, um simples técnico, entendia. Os seus sapatos estavam ensopados. E sujos de lama, a pior situação. – Em tempo como esses nós devemos usar botas de borracha.

- Meu Deus! Sai da frente Simon. – Márcia, que também era uma das alunas, ou melhor, uma das mais exemplares alunas, também entrou na sala às pressas acompanhada por Lurdes, outra aluna. – Gente! De onde vem tanta água. Está impossível de ir para fora. – ela apanhou um retalho sobre a mesa e enxugou os braços.

- Muita chuva. – disse Lurdes. – Às vezes ela nos pega de surpresa.

- Simon, querido, você poderia arrumar àquela máquina pra mim? – disse Dóris. Dóris, além de uma excelente professora, era também uma incrível costureira. – A caseadeira. De novo. – e deu um tapinha nos ombros de seu colega de trabalho.

- Essa menina de novo? O que será que ela tem? Egocentrismo? Ela gosta de toda a mina atenção pra ela.

- Vê se arruma mais e conversa menos com a máquina. – retrucou Dóris. – Olá Márcia.

- Dóris, eu fiz uma peça que eu acho que você irá adorar! Vou buscá-la.

Minutos mais tarde, a sala estava repleta de alunas. Havia apenas um garoto. Com exceção ao Simon que apenas conversava com as máquinas. Além de Dóris e Márcia, havia outra professora que atuava apenas na parte da tarde, mas encontrava-se ali, para realizar outros assuntos paralelos. Ela se chamava Cátia. Cátia Miller. Era uma mulher alta, de cabelos castanhos, rosto retangular, magra, vestia-se bem e usava óculos. Neste momento ela observava tudo a e a todos.

Annie entrou na sala. Tinha um ar de assustada que não passou despercebido dos olhos de Dóris ao vê-la entrar.

- O que houve Annie? Parece que viu um fantasma?

- Não. – ela forçou um sorriso. – Não. Eu... Eu estou bem. É tanta chuva para uma noite só vocês não acham?

Ela caminhou até a sua máquina de costura para finalizar o seu trabalho. Cátia com o seu olhar arguto notara a estranheza que Annie carregava no semblante. Aquilo a deixou preocupada. Abandonou a sala percorrendo o corredor que dava acesso a uma sala nos fundos.

- Assim está certo professora? – indagou Lurdes. Era uma mulher de porte médio, loura, usava óculos redondos, tinha o semblante sisudo e a voz mais parecida com a de um homem, porém, era a preferida de Dóris. Tinha um futuro promissor.

- Ai que linda! Olhe aqui – Dóris tinha o olho biônico. Era mestra em detectar pequenas falhas. – O pesponto precisa ser um pouco mais fino e menos aparente, mas, o restante está perfeito Lurdes. – disse examinando a peça. – O que falta agora?

- Falta pespontar a saia e costurar o zíper. – disse Lurdes.

- Consegue fazer isso sozinha?

- Claro que sim. Mas, se caso eu errar eu mostro pra você.

- Ótimo! – antes de deixar a máquina para resolver outros assuntos, Dóris indagou:

- Está tudo bem Franklin?

Franklin era o único garoto da turma. Quando perguntado ele apenas balançou a cabeça e respondeu rapidamente, pois estava concentrado em sua confecção.

- Está tudo ótimo, professora.

- Ah! Parece que está faltando mais alguém.

Márcia apareceu na sala carregando um belo vestido de malha e saboreando o seu comumente pirulito. Era a sua marca registrada.

- Márcia? Onde está aquele seu aluno?

- Qual? O Pablo?

- Sim. Onde ele está? – indagou Dóris, preocupada.

- Não sei... Hãm... Deve estar por ai. – disse caminhando até a sua máquina. – O sinal não soa no período noturno. Muito fácil de esquecer à hora pra voltar. Talvez ele tenha esquecido.

- Estranho. – disse Dóris pensativa e com o cenho franzido.

E no dia seguinte o que pareceu muito estranho para Dóris, agora se refletia na pura realidade. Márcia encontrou o corpo de Pablo caído morrinho abaixo. O seu desespero, possivelmente ensaiado, contaminou a todos que ficaram sabendo do ocorrido. Não se falava em mais nada a não ser a estranha morte de Pablo.

Ele tinha um grave ferimento na cabeça. Naquela mesma manhã o corpo foi retirado do local. Annie saiu às escondidas para dar um telefonema que ajudaria na busca por respostas.

- Ele foi golpeado na cabeça e morreu na hora. O corpo foi encontrado hoje pela manhã. – disse Annie a Eliott Scoch que já estava presente no local. – Foi durante a tempestade. Mais precisamente na hora do intervalo.

- Eu poderia fazer algumas perguntas à professora dele? – indagou Eliott.

- Claro. Eu o levo até a sala.

- O Pablo era um ótimo aluno. – iniciou Márcia. – Era atencioso, paciente, criativo também. Destacava-se entre os demais. Iria até dar aulas aqui.

- A que horas a senhorita chegou à sala ontem?

- Entrei minutos depois do intervalo. Vim acompanhada com uma aluna que me encontrou no caminho. A Lurdes.

- A senhorita não viu ninguém durante o intervalo? Não viu alguma movimentação? Algo suspeito?

- Não. Eu fui até a cantina comer e depois retornei.

- Obrigado senhorita. Estou satisfeito. – Eliott retirou-se.

Lurdes e Cátia Miller estavam ao lado de fora da sala. Conversavam sobre o ocorrido.

- Uma lástima. – retrucou Cátia jogando a fumaça do cigarro para fora. Tinha o semblante sério. – Agora a instituição onde eu trabalho será vítima dos holofotes. Maldito seja!

- Realmente uma lástima. Tudo bem que aqui poucos distribuem amor e compaixão, mas alguém chegar nesse ponto... Um crime. Meu Deus do Céu! Um crime. Cometer um crime por desavença? Isso é imperdoável. Isso faz com que o homem perca a sua moral, perca a sua ética. – disse Lurdes.

Eliott que deixava a sala parou e notou as duas moças conversando. Resolveu se aproximar e fazer algumas perguntas. Essa era a melhor parte do trabalho.

- Com licença senhoritas.

Cátia o olhou da cabeça aos pés.

- Eu gostaria de fazer-lhes algumas perguntas. Não será nada demorado.

- Eu acho bom. – disse Cátia. – Eu tenho obrigações a fazer.

- Bem... Eu gostaria de saber onde as senhoritas estavam quando ocorreu o crime?

Cátia soltou um riso sutil, mas com um ar de sarcasmo.

- Essa pergunta é para nos confrontar não é mesmo senhor detetive? Pois, eu estava na biblioteca. Tenho projetos paralelos à costura. Como chovia muito acabei chegando atrasada para iniciar as minhas aulas.

- Eu estava na sala da coordenadora do meu curso que fica no fim do corredor no prédio ao lado. – disse Lurdes.

- Foi então que a senhorita encontrou a senhorita Márcia, não é mesmo?

- Sim. – disse Lurdes surpresa. – Como o senhor soube?

- Ela me contou. Mas, de qualquer forma as senhoritas me ajudaram muito. Com licença.

Eliott se afastou dando oportunidade para Cátia blasfemar contra ele.

- O que ele pensa que está fazendo? Isso vai dar ainda mais alarde. É preciso fazer alguma coisa.

Thomas Hens encontrou Eliott saindo do prédio, mas o impediu, pois tinha algo importantíssimo a lhe dizer.

- Eu preciso que você venha comigo. Agora!

Hens o levou para o lugar de onde estava vindo. Próximo a sala de onde Annie estudava havia quatro grandes contêineres. Thomas seguiu na frente e Eliott logo atrás.

- Eu encontrei isso. – Hens mostrou-lhe uma pista. Uma bota de borracha. Daquelas que os empregados usam para limpar os locais do prédio. – É do assassino. E isso também. – e agora lhe mostrou uma barra de ferro, a arma do crime.

- Uma bota e uma barra de ferro. – disse Eliott pensativo. – Seria um homem ou uma mulher? Eu creio que seja um homem, não pelas botas, mas pela barra de ferro. Isso não deve ser trabalho de uma mulher.

Desta vez o interrogado foi o próprio Simon Derek. Agora todas as suspeitas se voltavam para ele.

- Eu cheguei alguns minutos depois do intervalo. Além de arrumar as máquinas eu faço alguns serviços de limpeza no prédio.

- Serviços de limpeza. Logo o senhor deve usar as vestimentas necessárias, não é mesmo? – indagou Eliott com um olhar inquiridor.

- Sim, uso luvas e botas de borracha.

- As mesmas botas – Eliott inclinou-se para frente, confrontando-o. - que foram encontradas atrás do contêiner, próximo ao morrinho onde foi o local do crime.

Simon ficou a observá-lo por alguns instantes.

- O senhor está me acusando de ter matado aquele garoto?

- Não sei senhor Simon. O senhor mesmo disse que usa botas de borracha e as mesmas foram encontradas, sujas de barro.

- Mas isso é uma brincadeira. Não é apenas eu que trabalho na limpeza. Há muitos funcionários. Qual a chance de ser eu quem as estivesse usando? Nenhuma. Só há acusações com provas.

- Sabe àquela comumente história da cinderela quando ela resolve experimentar o sapatinho de cristal? – Eliott mostrou-lhe as botas. – Coloque-as. Com certeza para cada pessoa deve haver uma numeração.

Simon estava encurralado. Não tinha outra saída. Com as mãos trêmulas apanhou o par de botas. Olhou-as. Posteriormente, colocou-as no pé.

- Agora a cinderela pode ir para o baile com o seu príncipe encantado.

As botas haviam entrado perfeitamente nos pezinhos e Simon Derek.

- Isso é um ultraje! – levantou impetuosamente. – Alguém as pegou para me incriminar. Eu não o matei detetive. Eu não o matei.

- Ele não é o culpado Eliott.

Annie havia entrado na sala.

- Como?

- Eu não sei, mas, Simon não deve ser o culpado. Eu preciso lhe contar algo.

- Naquela noite chuvosa quando e saía da sala para comer na cantina, percebi que alguém estava no morrinho. Eram duas pessoas. A primeira estava na beirada e de repente... Ela foi golpeada por um objeto pesado e cortante. Eu fiquei desesperada. Não sabia o que fazer. Eu vi que o assassino era de grande porte, usava uma capa de chuva e botas de borracha. Não consegui ver para onde ele tinha ido.

- Você acha que ele te viu? Se realmente ele te viu Annie, você foi testemunha ocular do crime e sabe que... Corre perigo. – disse Eliott.

- Perigo? Meu Deus!

- Não se desespere. Nós vamos te proteger Annie. Eu só preciso que você entenda. Todos os suspeitos que investiguei chegaram depois do intervalo. Todos eles possuíram um álibi. O crime ocorreu durante o intervalo. Depois de tê-lo cometido, o assassino ainda teria tempo para abandonar as suas vestes. Nós encontramos as botas que ele usava e a barra que usou para matar Pablo. As botas serviram no pé de Simon, mas ele jurou que não foi ele. E você viu o assassino cometer o crime, mas não viu a sua identidade. Só sabe que tinha um porte robusto e que talvez fosse um homem. Mas, de qualquer forma você corre perigo Annie. Mas... – Eliott ficou pensativo por alguns instantes. – Você sabe como se captura um peixe não sabe?

- Com uma isca?

- Exatamente!

E naquela mesma noite, a pobre Annie serviu de isca para atrair o assassino. Ela parou diante do morrinho e lembrou-se da cena. Tentou esquecer, mas sentia o medo percorrer-lhe o corpo. Apanhou o seu celular, como o planejado, e ligou para Eliott.

- Alô? Detetive Scoch? Sou eu Annie. – ela olhava ao redor, atenciosa. Começou a falar em um tom baixo. – Eu preciso lhe contar algo. Sim, sim. Eu vi. Sim, eu vi...

Sim, ele via. Via ao longe... À espreita... Na penumbra de seu esconderijo... A sua próxima vítima.

-... Eu vi o assassino naquela noite. Isso ajudará nas investigações.

As botas de borrachas ganharam vida, pisando no chão rapidamente e indo em direção à pobre Annie que estava na beira do morrinho. O encapuzado se aproximou como um tigre atrás de sua presa, mas, para o seu desprazer, foi agarrado por Thomas Hens que estava escondido no corredor que dava aceso ao morrinho. A barra de ferro escapou das mãos do criminoso, rolando pelo morrinho abaixo.

Eliott chegou rapidamente apontando um revólver para o assassino que ainda se mantinha encapuzado. Thomas algemou os seus braços. Virou-o. E removeu o capuz. Annie soltou um gritinho de surpresa.

- Lurdes?!

- Você está presa senhorita Lurdes Maltafin.

Eliott levou Lurdes Maltafin diretamente para a prisão e lá ela confessou ter matado Pablo simplesmente pelo fato que ele seria o novo professor de costura e que este era para ser a sua função e não a dele. Eliott sabia que o motivo era inveja pelo comentário de Márcia a respeito de seu aluno...

...- O Pablo era um ótimo aluno. – iniciou Márcia. – Era atencioso, paciente, criativo também. Destacava-se entre os demais. Iria até dar aulas aqui.

E também sabia que Annie havia sido testemunha ocular, pela maneira como ela descrevera todo o caso quando se encontrou com Eliott...

...- Ele foi golpeado na cabeça e morreu na hora. O corpo foi encontrado hoje pela manhã. – disse Annie a Eliott Scoch que já estava presente no local. – Foi durante a tempestade. Mais precisamente na hora do intervalo.

Para quem sabe como, a hora e o local do crime, é saber demais. E Lurdes criou um excelente álibi para ela. Quando perguntada onde estava na hora do crime...

...- Eu estava na sala da coordenadora do meu curso que fica no fim do corredor no prédio ao lado. – disse Lurdes.

Sim, e ela estava, entretanto, não chegou realmente estar presente na sala. Lurdes Maltafin cometeu o crime, depois, tirou as botas e colocou-as atrás do contêiner juntamente com a barra de ferro. Conseguiu as vestimentas na sala dos empregados e por pura ironia acabou apanhando as botas de Simon. Após deixar o cenário do crime, Lurdes, ao ver Márcia ao longe, entrou no corredor e ficou a sua espera. Ao ver que se aproximava, aproveitou para entrar na sala juntamente com ela, despistando as suspeitas.

Lurdes Maltafin foi condenada a prisão perpétua e por motivo torpe. Inveja... O que a maldita inveja levou um ser humano a cometer. Eliott deixou a prisão e recebeu uma mensagem em seu celular. Era um agradecimento de Annie por ele e seu amigo Thomas Hens terem salvado a sua vida.

FIM

Rogério Varanis
Enviado por Rogério Varanis em 17/11/2014
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