619-A DELEGADA NO XILINDRÓ

A DELEGADA NO XILINDRÓ.

Começou pequeno. Ainda quando era delegada em Perapolis, pequena cidade do norte do estado. No principio, alguns maços de cigarro no posto de gasolina, faturados como combustível para a única viatura policial. Um jantar cuja nota saiu em nome da Delegacia de Polícia, levada à conta de “Despesas Carcerárias”. Depois, um vestido ultra-chique que adquiriu com a condição de a loja discriminar na nota “roupas para presos”.

Perapolis era pequena e a verba da delegacia não permitia muita roubalheira. Sim, porque o que a delegada Dra. Margô Fortunato fazia era, pura e simplesmente um roubo: adquirir coisas para si ou fazer despesas com o dinheiro público.

Ao ser transferida para Minas de Prata, uma cidade maior, com delegacia mais movimentada, cinco viaturas, ela avançou o sinal do desvio de verba. Na transferência, uma promoção: agora era Delegada Regional, com muito mais poder de manipulação de verbas e de persuasão. Fez acordos com os principais estabelecimentos, que chamava de “convênio de proteção especial”, dos quais obtinha dinheiro que ia direto para sua conta bancária.

E aumentou os registros de combustíveis, alimentação carcerária, e outros itens das despesas da delegacia. Seu carro tinha abastecimento grátis e garantido no Posto das Andorinhas. Cigarros (fumava maço e meio por dia, alem de eventuais charutos), bombons, essas coisas miúdas, vinham todos do Empório Preço Baixo para seu armário pessoal, trancado à chave. Pagar jantares, nem pensar. Freqüentava o restaurante mais caro da cidade, cujas notas saiam sempre a débito da delegacia.

A roubalheira tornou-se vultosa até mesmo para a delegacia de Minas de Prata, e aí entrou o fator de risco. Apareceu na pessoa de Domingos, escriturário da delegacia, por cujas mãos passavam todas as notas e documentos financeiros da delegacia.

— As viaturas estão gastando combustível demais. — Disse Domingos. — Acho bom a gente estabelecer uma fiscalização.

— Pode deixar, eu mesmo vou cuidar disto. — Respondeu a delegada.

Ela viu logo que teria de incluir Domingos como beneficiário do esquema. Só assim evitaria a curiosidade do rapaz.

E assim foi que Domingos, aliciado sutilmente, passou a receber algumas migalhas do desvio do dinheiro da delegacia. Mas passou a ser o elo fraco da corrente.

Não demorou muito para que o rapaz deixasse vazar informação, que voaram até a capital do estado.

Uma investigação sigilosa foi aberta pela Secretaria de Segurança. O inquérito já havia levado a conclusões definitivas quanto à conduta de Dra. Margô. Uma peça final foi acrescentada quando a delegada, em férias, viajou para a capital, e fazia uma verdadeira farra com o dinheiro “arrecadado” em Prata de Minas.

Foi presa em flagrante, quando , num restaurante, pediu que a nota fosse extraída em nome da delegacia de Prata de Minas.

Detida, foi encaminhada ao Departamento de Ações do Policial Civil, para onde são levados os policiais acusados de crimes.

Domingos, o escrivão, também foi recolhido no mesmo “estabelecimento”.

Um pedido de habeas corpus foi negado pelo Meritíssimo Doutor Ildebrando Souza e Silva, que de brando só tem o nome. Rigoroso, despachou à margem do pedido:

“Indefiro o pedido, tendo em vista que a suspeita, se em liberdade, poderá causar dificuldades à investigação. Até conclusão do inquérito, a doutora Margô Fortunato deverá permanecer no xilindró”.

ANTONIO GOBBO

BEelo Horizonte, 24 de agosto de 2010

Conto # 619 da SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS

Inspirado em notícia no Jornal O Tempo ,de 10.08.2010

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 06/01/2015
Código do texto: T5092546
Classificação de conteúdo: seguro