Velhos Hábitos

Tarde da noite, o telefone toca.

- Você vai morrer, maldito!

- Vá se foder!

Desligo.

É uma noite tempestuosa, mal consigo ouvir qualquer som na rua fora senão a chuva ou os trovões. Me levanto, pego meu casaco, boto meu chapéu, minha pistola está carregada. Saio.

Meu possante brilha, sua pintura metálica me excita mais que uma puta, o som do seu motor é melhor que uma gozada, engato a primeira, vou em direção ao bar.

- O de sempre.

Ruby se vira pra pegar a garrafa, ela sabe que gosto daquele traseiro, se abaixa pra pegar a garrafa que está mais embaixo, se vira pra mim com um sorriso safado no rosto.

Ah, Ruby, se você soubesse que não tenho nem aonde cair morto, não ficaria molhada sempre que me vê. E ela começa...

- Dia ruim?

- Não, porque?

- Não tirou seu casaco hoje, deve estar armado.

- Talvez... hoje não parece um dia pra se confiar nas pessoas.

- Quer companhia pra hoje a noite?

- Hoje não, não é um dia bom.

- E quando é?

- Outro dia sem ser hoje.

Olho ao redor do bar, vejo os fracassados, vejo meu rosto em todos. Gosto de pensar que somos de uma raça mais avançada de ser humano, que enxerga o mundo como ele é e não pelas propagandas na tv. Vivemos bêbados pra fugir da realidade, ou talvez pra entendê-la melhor, vai saber....

Termino minha bebida, antes de colocar o copo na mesa, Ruby me passa outro, novo em folha, cheio, 2 pedras de gelo, lindo. Olho ao redor e vejo. Vejo vermelho e dourado e verde e branco. E está me olhando de volta, me devorando com os olhos, aquela mulher, um vestido vermelho, até a metade de suas coxas, aquelas pernas me chamando, brilhando, era como se o mundo tivesse desaparecido. Era como se o bar tivesse desmoronado ao meu redor, merda, era como se o mundo tivesse desmoronado ao meu redor. Seus grandes e verdes olhos me encaravam de cima a baixo, me senti reduzido, me senti como nada.

- Por quê essa mulher olha pra um pé rapado como eu?!

Me perguntei várias vezes enquanto a encarava de volta e encarava também a bebida, alternava entre as duas, igualmente maravilhado. Decidi. Peguei o copo e entornei a bebida goela a baixo, fechei os olhos pra apreciar melhor, ao abrir, ela estava parada na porta do bar, pronta para sair.

Inclinou um pouco o rosto para o lado, me olhou, sorriu, saiu. Larguei umas notas em cima do balcão sem ver quanto era, provavelmente era meu único dinheiro, teria que empurrar o carro até em casa, não importa. Saí atrás dela, não a vi na rua, era como se tivesse desaparecido.

Ouço alguém me chamar

"Hey, maldito, aqui!"

Me virei para dar de cara com o cano da arma, prateado e brilhante, com uma bala engatilhada com o meu nome. Não tive muito tempo de reagir, o tempo de eu pegar o meu berro, já tinha ouvido o 'click'.

Vermelho... tudo vermelho... a chuva cai no meu rosto e uma poça de sangue se forma em volta do meu corpo. O maldito ao invés de me matar de vez, me dá um tiro para que eu possa ir de forma lenta, apreciando cada momento da minha vida se esvaindo. Maldito...

- Bom, não há muito o que se fazer agora... Pensei.

Alcancei o bolso do meu casaco, puxei um cigarro, tentei alcançar o isqueiro, não consegui. Ouço sons de salto de mulher, sons fortes e altos caminhando pela calçada molhada.

- Você não deveria ter saído hoje

- Estou pensando sobre isso.

Era ela, parou de pé ao meu lado, bem próxima. Eu conseguia ver tudo, até que não é um jeito tão ruim de ir.

Ela abaixou, se inclinou em minha direção, puxou um isqueiro de sua bolsa, prateado, com detalhes em dourado. Dourado como seus cabelos. Me olhava bem nos olhos, pegou o cigarro de minha mão, colocou em sua boca, acendeu, depois colocou na minha.

- Quem é você?!

Perguntei.

- De que importa agora? Aproveite seu cigarro e morra em paz.

- Eu mataria por mais um copo daquele Whisky.

Senti a voz dela ficando distante, a visão ficando turva, o mundo ficando mais vermelho.

"Mais um bêbado sem rumo morrendo no meio de uma rua qualquer, na chuva, quase se afogando no próprio sangue."

Pelo menos tinha um belo par de pernas do meu lado

Não era um jeito tão ruim de ir...

R C
Enviado por R C em 23/01/2015
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