Um lápis esquecido... parte Três

Era mais uma armadilha. Como alguém entra na delegacia e põe um jornal com substâncias venenosas e ninguém vê? O chefe estava uma fera. Nem precisaria examinar o jornal. Lá estava o pó branco entre as páginas do jornal. Me deu medo. Saí pra investigar o endereço do tal cara. O nome dele era Valdir mas era conhecido como Duque. Era chefe do tráfico na região dele e por isto era um perigo procurar por ele. Saí com o endereço certinho pra não precisar fazer perguntas. Me disfarcei de velha gorda e fui até lá. A tal choupana era até simpatica. Tinha flores na janela e cortinas. Pensei: Será que era ali mesmo? Não combinava. Endereço de psicopata tão bonitinho!!!

Escondi-me e cheguei perto da casa. Um homem velho brincava com crianças. Elas estavam muito felizes porque ele dizia pra elas:

_ Ele já vai chegar. Vai trazer muitas balas pra vocês.

E a festa era muito esfusiante. De repente um rapaz saiu de trás de uma estrada e era ele. As crianças sairam correndo em sua direção. Pegou uma delas no colo e as outras se enciumaram. Distribuiu balas e doces entre elas. Sentou e elas sentaram em suas pernas. A felicidade era tanta que eu até imaginei que não era ele. Como pode alguém ser assim tão querido e ser ao mesmo tempo tão cruel a ponto de matar?

Uma das crianças me viu e ficou apontando pra mim. Ele levantou e se aproximou de mim. Pegou na minha mão e me chamou de tia.

_O que a senhora esta fazendo ai tia? Vem se juntar a nós. Fingi que era muda e ele compreendeu. Falou comigo em Libra e fiquei espantado com a destreza. Disse estaria feliz se eu ficasse com ele e as crianças. Respondi em Libras que também estava feliz em estar com ele e as crianças. Levantei com sua ajuda, fingindo dificuldade de levantar e andar e o segui. Ele me deu balas e eu aceitei pois sabia que as crianças ele não quereria envenenar. Não me reconheceu. O enchimento de espuma me envelheceu e engordou tanto que ele não poderia reconhecer nem se tentasse.

As crianças eram duas meninas pequenas, achei que não passavam de quatro anos. Um menino de uns doze anos que devia ser irmão de uma delas e outro menino menor de uns 9 anos de idade provavelmente irmão da outra menina, embora um tanto diferente. Eram todos de uma cor mais mulata. Não foi dificil fazer amizade com elas. Ele brincou de ensinar as crianças maiores de falar em libras para se comunicarem comigo. O mais velho aprendeu muito logo. Falou-me que era vizinho dele. Ele se chamava Duque( eu ja sabia disso), o que eu não sabia era que ele era muito "Bonzinho" segundo o menino. Trazia balas pra todas as crianças todos os dias. Durante muito tempo ele deixou de aparecer e as crianças tinham ficado muito tristes com isso. Algumas ainda não sabiam que ele havia voltado. Enquanto isso ele eas outras crianças que estavam ali estavam curtindo a sua companhia sozinhos. Tinham-no só pra eles. Foram ao parque mas o Duque não foi a nenhum brinquedo. Disse que não podia subir e ficou atrás da roda gigante. Pagou pra eles se divertirem. Ele gostava muito de levar as crianças ao parque. Não tinha ninguém no mundo. Não sabia quem eram seus pais. Foi criado desde os doze anos por aquele homem que morava ali na favela. Antes diso ele não se lembrava de muita coisa. Só sabia que morava na rua.

A conversa parou quando ele veio de dentro do casebre com uma jarra de suco de Caju e bolo pra todos. Sentamos no chão mesmo. E bebemos em canecas de plástico que ele trouxe penduradas nos dedos da mão. O bolo estava gostoso. O velho trouxe o bolo. Depois de comermos as crianças foram embora com as mãos cheias de balas. Edson as despediu para descansar.

Eu também me despedi e agradeci a acolhida. Perguntei se poderia voltar e ele prontamente disse que sim. Se eu precisasse de ajuda éra pra ligar pra ele, mas eu disse que não tinha celular. Ele me deu o número em um papel e disse pra pedir a alguém pra ligar que ele me buscaria onde eu estivesse.

Dei adeuzinho com a mão gorda do disfarce e ele disse

_Tchau titia. Volte sempre.

Liguei pra minha esposa, pois queria saber se ela estava bem. As crianças disseram que ele só saía de manhã mas eu ainda não sabia se ela estava bem. Estava tudo bem. Minha bebê dormia tranquilamente em seus braços. Pedi pra ela nunca dizer onde estavam e então ela tomava sempre este cuidado.

Cheguei a delegacia e relatei ao chefe o que tinha me acontecido. Ele me elogiou e disse pra tomar cuidado porque o homem era um psicopata perigoso. Eu não podia prender alguém baseado apenas em suspeitas. Apesar dele ser um fugitivo da justiça. Eu queria pegá-lo em flagrante cometendo outro atentado e assim eu estaria garantido. Ou ele pegava mais alguns bons anos de cadeia ou eu conseguiria uma legítima defesa, acabando com aquele monstro de uma vez. O chefe tentou argumentar mas eu não desisti da idéia.

A noite chegou e eu fui pro hotel tomando todos os cuidados pra não ser seguido. Chegando lá tomei uma ducha bem quente pra relaxar e quando me preparava pra pedir o jantar alguém bateu na porta. Era um dos camareiros e entregou-me um pacote. Disse que alguém deixou na portaria pra mim. Havia também um envelope. Perguntei se alguém abriu o envelope e ele garantiu que não. Fi-lo jurar que a pessoa que manuseou aquele pacote e envelope deveria lavar muito bem as mãos.

Não abri nem um nem o outro. Levaria pra delegacia no dia seguinte.

Não dormi muito bem. Tive pesadelos a noite inteira com o Bandido dos lápis. Acordava assustado e tentava dormir de novo. No dia seguinte tomei meu café e sai em disparada pra delegacia. Lá o chefe chamou a divisão de bombas pra abrir o envelope e a caixa. Na caixa os mesmos bombons. Examinados não tinham veneno algun mas ninguém ousou comer. Foram pro lixo. O envelope não tinha pó. Era um recado e dizia assim:

"Titia, quando for me visitar outra vez tome um pouco mais de cuidado. KKKK " anexo ao bilhete, grampeado a ele estava um pedaço de espuma da cor do meu disfarce.

Ele já sabia que era eu. Como? E porque não me fez nada? Será que foi por causa das crianças? Ou será que descobriu depois que saí e me seguiu?

Comecei a me preocupar. Exclamei:

_Meu Deus! Esse homem tem o diabo no corpo!!!!

O delegado e meus colegas tentaram me acalmar.

_Calma colega, a gente vai pegar ele.

_Fica frio, irmão! Vai ficar tudo bem.

Mas eu sabia que não era bem assim. O homem era muito esperto e já tinha me dado um bocado de trabalho pra prendê-lo antes. Não seria fácil agora. Tirei a tarde de folga e fui ao cinema. Queria me divertir um pouco e esquecer aquele maluco. O filme era de amor e isso me acalmaria. Comecei a char estranho o filme. Não parecia nada romântico. Havia um homem que tentava de tudo pra apagar um cara e não tinha nenhuma mocinha. Quando o filme acabasse eu ia processar aquele cinema por propaganda enganosa. Mas para a minha surpresa na tela apareceu uma imagem de um homem que eu conhecia muito bem. Ele apontou uma arma pra mim e eu olhei a minha volta e o cinema estava vazio. Ele não estava no filme, estava na frente da tela. Disse com todas as letras

_Chegou sua hora cara. Começe a rezar. Não havia possibilidade dele errar a pontaria. Nem se fosse péssimo atirador.

continua...

Nilma Rosa Lima
Enviado por Nilma Rosa Lima em 23/02/2015
Reeditado em 23/02/2015
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