CAIU UM CORPO NA VARANDA
 
CENA
 
Gritos, um corpo masculino ensanguentado caiu na varanda do 4º andar, condomínio de luxo, rua nobre em São Paulo, prédio com vinte pisos, festa em três andares diversos (6º, 12ª e  20º):

PERGUNTAS AINDA SEM RESPOSTA

- de onde caiu o corpo?
- já estava morto quando caiu?
- quem é o cadáver?
- assassinato, acidente ou suicídio?
- motivação?


Muitas dúvidas para a polícia, investigadores a postos, peritos, prédio fechado, muitas pessoas sendo interrogadas, área demarcada, perímetro isolado, iria ser uma longa noite. Muitas pessoas influentes tentando burlar as normas, dando carteiradas, advogados em carrões, chegando, o diabo a quatro, um verdadeiro festival de direitos e deveres sendo invadidos, e juntando curiosos, selfies sem noção de plantão, com suas câmeras vozamente sendo utilizadas, policiais irritados, ambulância e rabecão chegando, juíz de plantão, era uma noite daquelas, enfim, o trabalho tinha que ser feito, depois toda essa turba que corresse atrás de seus ditos direitos.

Muita gente já meio ébria, descendo das festas, dando seus depoimentos, dados pessoais sendo anotados e depois liberadas, porteiros, síndicos, helicópteros lançando seus holofotes, para que a perícia, pudesse fotografar a fachada do prédio, um tumulto sem tamanho, já passavam das seis horas da manhã, quando ficou claro para os investigadores e peritos que o corpo havia caído ou sido lançado do 12º haja visto as marcas deixadas daquela varanda para baixo, então as pessoas dos andares acima e abaixo, foram liberadas finalmente.

No 12º andar estava acontecendo uma festa de aniversário de uma das mais conhecidas socialities do Rio de Janeiro, e a devassa feita em seu apartamento, encontrou de tudo um pouco, strippers (homens e mulheres), drogas por todos os cômodos, além de seguranças particulares armados, alguns de seus convidados também portavam armas, não registradas. Entre os convidados, muitas celebridades do meio político e financeiro, essa investigação, com certeza, iria dar uma dor de cabeça danada, senão acabasse em pizza, assim pensava o delegado responsável, já estava até prevendo que daqui a pouco chegariam a polícia federal e algum político cheios dos salamaleques, como era difícil proceder dentro de todas as normas da lei, quando haviam muitas fortunas e egos envolvidos, o delegado pensou que bem que ele poderia ter tido uma dor de dente ou quebrado um pé nesse dia, difícil lidar com muitos "todos poderosos".

Peritos e uma grande equipe ficaram no local, as pessoas diretamente envolvidas no caso, sendo informadas que deveriam se dirigir na tarde seguinte à delegacia para prestar depoimentos e esclarecimentos, muito café pra todo mundo e seguindo os trâmites legais e investigativos, tudo seguia sua ordem naturalmente treinada.

Já tinham a identidade do falecido, era um grande empresário do ramo da metalurgia e que estava na lista de convidados da tal socialitie, ninguém que fora interrogado no local percebera alguma briga ou discussão nem dentro do apartamento ou na varanda, o certo é que a perícia disse que os ferimentos não eram só da queda, ele já estava bem machucado quando caiu ou fora atirado da varanda, ou estava todo mundo muito doido naquela festa, ou alguém estava ocultando fatos primordiais para àquela investigação.

Uma jovem muito bonita e ainda seminua, faz um sinal furtivo, para o delegado e ele dá um outro sinal para que ela se afastasse do centro das atenções e o aguardasse, ele pega um agasalho em seu carro e leva para a jovem, o que seria uma boa desculpa para se aproximar e saber o que ela queria falar. A jovem estava sóbria ao que parecia, deveria ser uma das strippers da festa pela roupa ou quase nada que ainda vestia, ela disse com voz baixa e rápida que ele, o morto, havia apanhado de um dos seguranças da festa em um dos quartos, um quarto com muitas coisas douradas, era o que ela sabia informar, o motivo ela não sabia, só vira a cena, quando tivera que trocar de roupa antes de se apresentar na festa e passara pela porta do quarto antes de ir para um dos toillets do apartamento, não deu muita importância ao fato, fora contratada para fazer uma exibição de dança e era o que iria fazer, precisava do dinheiro, o detalhe mais importante que ela pode passar era que o segurança era muito alto e ruivo de cabelos bem curtos, e só tinha um segurança com essa descrição e que foi logo desarmado e colocado em uma viatura para mais interrogatórios pois nas primeiras perguntas que haviam feito a ele, não comentara nada sobre a surra que dera no tal empresário do ramo metalúrgico, tinha gato nesse angú.

O delegado pegou os dados da moça e avisou que ela teria que comparecer à delegacia na tarde seguinte, para prestar depoimentos e a dispensou. As coisas começaram a clarear um pouco, mas, muita coisa ainda pecisava ser averiguada. Noite difícil e a semana estava se desenhando, longa e chata, e a aposentadoria que não chegava, pensou o delegado.

Começaram a chegar jornalistas e caça notícias anônimos de todos os lados, celebridades eram notícia, e eram tantos que pareciam brotar do chão, o delegado designou uma policial experiente em lidar com esse tipo de povo, deixando claro que, nenhuma informação efetiva seria dada no momento, só o óbvio e básico, tudo mais, era segredo de justiça, por enquanto.

Um policial que estava próximo ao delegado, viu uma parte de uma luneta no mesmo andar de onde caíra o corpo, só que no prédio em frente, e avisou ao delegado, que pediu que ele se juntasse com mais um policial e um perito e fossem conversar com os moradores daquele apartamento, se dessem sorte alguém poderia ter visto algo de importante de lá, sobre o fato ocorrido, não era possível descartar essa hipótese.

Quando os policiais chegaram ao apartamento onde haviam avistado a luneta, encontraram um senhor idoso, de seus setenta anos em estado de choque e sua esposa aflita, ligando para uma ambulância, os policiais a acalmaram, pediram para que a médica que estava em uma ambulância lá cena do crime, subisse e prestasse os primeiros socorros ao idoso, assim que ele aparentou um pouco mais de lucidez, perguntaram o que havia deixado ele naquele estado de semi torpor, e ele disse ter visto um homem ensanguentado acenando desesperadamente da varanda do mesmo andar do pédio em frente ao seu, os policiais perguntaram se ele havia visto alguém mais com ele e o senhor afirmou que o homem caira sózinho, talvez tenha se desequilibrado ou desmaiado, pois estava muito ensanguentado, deixaram instruções para que o idoso comparecesse à delegacia na tarde seguinte e deixaram o apartamento.

Os policiais contaram ao delegado o que acontecera e o delegado descartou muitas pessoas, o foco agora estava no cadáver, na motivação da surra e no segurança que agredira o falecido empresário, avisaram ao síndico para que exceto as pessoas que estavam na festa do 12º andar, todas as outras pessoas, não precisariam comparecer à delegacia. Agora era interrogar a dona da festa, que ainda estava no local, para saber o que ela poderia dizer sobre o fato ocorrido em sua residência, a socialitie, foi reticente, disse que dava muitas festas e nem sempre conhecia a fundo todos os seus convidados e seus acompanhantes, no caso em questão o empresário chegara desacompanhado à festa e não era de sua intimidade, fora um convite apenas para marketing pessoal, pois com as relações de trabalho do banco do qual seu marido era dono, com as empresas do falecido, seria interessante a presença dele, apenas lobby, nada mais.

A dona do apartamento também não tinha conhecimento do motivo que levara o segurança à surrar o empresário, O delegado avisou, que ela deveria comparecer no dia seguinte à delegacia e a dispensou. A perícia ligou para o delegado avisando que o homem fora surrado violentamente, mas, não havia outras marcas de facadas ou tiros em seu corpo, juntando os fatos o homem realmente havia caído por acidente da varanda, faltava agora a motivação da surra, que isso ele iria saber em breve, pois estava retornando à delegacia para interrogar o bendito segurança ruivo e mentiroso, esse estava lascado com ele, se tivesse contado a verdade logo de início, muita coisa não precisaria ter sido feita, mas, enfim, logo esclarecia esse episódio fatídico, ele assim acreditava.

Já na delegacia, copos e copos de café depois, mandou trazer o ruivo, e foi logo declarando que já sabiam da surra, tinham uma testemunha ocular do fato e daí pra frente ele deveria esclarecer o motivo da surra, o ruivo já sem saída, pois o delegado relatou tudo o que a testemunha vira, começou a falar que o tal empresário, estava com uma mulher na cama do quarto dourado e passara do ponto nas carícias obscenas e ela o havia chamado pelo rádio para resolver a situação, como o cara estava bem drogado e bêbado, acabaram se desentendendo e ele muito mais forte do que o empresário o surrara. Quando interpelado sobre quem era a mulher, o ruivo não queria falar, mas, depois de um apelo "delicado" do delegado, confessou que era a dona da festa, o ponto principal dessa converssa era que, uma simples convidada da festa não teria acesso ao rádio comunicador dos seguranças, só poderia ser a dona da casa. O delegado mandou um policial ir buscar a socialitie.

Continuando o interrogatório do segurança ruivo, o delegado perguntou o que ele fizera depois que surrara o empresário, o ruivo respondeu que continuou seu papel de segurança e deixara o homem sózinho no quarto dourado, e informou que do tal quarto tinha uma saída para o varandão de onde o sujeito caíra. Autuado por agressão e falso testemunho à princípio, com a chegada de seu advogado, pagou fiança e iria responder o resto do processo em liberdade, pois ele não matara o tal empresário, a junção de bebida, drogas e surra causara todo o problema, isso ainda ia render, a dona do apartamento chegou bem vestida, com dois seguranças e dois advogados, um amigo deputado e seu dileto marido, isso começava a ter cheiro de pizza, e de gorgonzola, pensava o delegado. 

Já passava das dez horas da manhã, quando bela, linda e loura, a rica socialitie seguida por seu séquito saíu pela porta da frente da delegacia, sem uma só anotação nos arquivos e registros da delegacia, como se nada tivesse acontecido, o empresário morto na geladeira, seu casamento era mesmo de fachada, a viúva virou uma feliz milionária, o segurança ruivo responderia o processo em liberdade, sua família recebeu uma grande quantia em dinheiro para negar qualquer envolvimento da família da socialitie com o caso, imprensa abafada radicalmente, o delegado perto da aposentadoria, recebera uma ligação sutil do secretário de segurança, e a pizzaria reabriu normalmente no dia seguinte, O poder do vil metal é incrível.


Cristina Gaspar
Rio de Janeiro, 04 de junho de 2015.

 
Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 04/06/2015
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