Hayley Stark chega a tempo

HAYLEY STARK CHEGA A TEMPO




Hayley Stark recordava aquela tarde fatídica em que enfrentara, no seu próprio covil, o pedófilo estuprador e assassino Jeff Kohlver, vingando nobremente o suplício e a morte de Dona Mauer. Relembrou aqueles momentos em que, de pé, junto à borda do terraço da isolada casa de subúrbio de Jeff, e enquanto aguardava que o fotógrafo abusador subisse para o confronto final, ela contemplou com indizível tristeza a grande cidade de Los Angeles, aquele imenso Moloch, a metrópole que se estendia com seus telhados a perder de vista no horizonte, fria, desumana, impessoal, impiedosa; repleta de dramas ocultos, de segredos, vícios, violências e crimes. E, naquele solene momento, antes de se voltar para enfrentar Jeff Kohlver que vinha ao seu encontro com uma faca de cozinha, Hayley chorou em seu íntimo pelas vidas atormentadas, pela inocência ultrajada, pelo sofrimento oculto da cidade monstruosa.
E agora, enquanto voltavam aquelas recordações, Hayley preparava-se para o precipitar dos acontecimentos.


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A garota foi jogada, ainda quase inconsciente, sobre o velho sofá de pano.
— Vamos, sua vaquinha. Quero você bem acordada.
— Você me drogou... o que vai fazer comigo?
— Tudo — e ele já havia tirado a camisa, expondo os bíceps volumosos e cobertos de tatuagens.
— Mas não era para ser assim, Victor. Você parecia tão romântico...
— Vocês são todas iguais. Se veio ao meu encontro é porque quer transar.
— Mas que lugar é esse? Não sei onde estou.
— E é bom que não saiba. Vamos, tire a roupa.
— Eu só tenho treze anos... — choramingou ela. — Não esperava que fosse assim...
A menina se levantou e tentou se dirigir à porta, mas ele a jogou de volta com um tapa na cara. Ela se pôs a chorar, mas o biltre foi inflexível:
— Não vai me criar problemas depois do tempo que eu perdi na internet. Vamos, tire logo a calça e a blusa.
Assim dizendo, ele começou a abrir o cinto da própria calça.
Mas não chegou a completar o gesto.
Alguma coisa atravessou o ar e cravou-se em seu ombro esquerdo. Espantado, Victor olhou para o estranho objeto — um dardo — e para o sangue escorrendo.
Uma garota acabara de entrar no local. Morena, cabelos curtos, bonita como uma fadinha, mais ou menos 1,55m de altura. O que mais espantou Victor, porém, foi o objeto que ela segurava na mão direita.
Uma zarabatana.
— Quem é você? — rosnou ele, arrancando o dardo e olhando o sangue que continuava a escorrer.
— A essa altura, você não tem necessidade de saber.
— Isso... é um desses anestésicos?
— Pior. É veneno de cobra. E não me pergunte pelo antídoto, porque eu esqueci de trazer.
O tarado avançou na direção da garota, que permaneceu parada e impassível. Embora somente poucos metros os separassem, ele não conseguiu transpor a curta distância e caiu já nos estertores, também já sem conseguir falar.
A menina abaixou-se e fitou-o muito séria:
— Antes de perder totalmente a consciência, você tem o tempo necessário para pedir perdão a Deus pelos seus crimes. Faça isso, para salvar a sua alma. Não perca tempo, porque o seu tempo acabou.
Victor não conseguiu mais falar e, em pouco tempo, os seus olhos vidraram.
As duas garotas, de pé uma em frente à outra, miraram-se intensamente.
— Quem é você? — disse a primeira menina, uma lourinha assaz simpática.
— Você pode me chamar de Hayley Stark — respondeu a morena.
— Hayley Stark! Não é possível! Você...
— Já ouviu falar do meu nome? — e Hayley sorriu, um sorriso lindo.
— É claro! Você é uma lenda urbana!
Hayley não respondeu e a outra aproximou-se do corpo do seqüestrador.
— Ele... está morto?
— Tanto quanto George Washington, pode acreditar.
— Eu... meu nome é Hellen. Muito obrigada por me salvar, Hayley. Acho que ele ia me matar!
Hellen abraçou Hayley, que a acolheu em seus braços.
— O pior, Hellen, é que ele só a mataria depois... bem depois.
— Como eu pude me meter nisso, meu Deus?
— Quem sabe, Hellen? Garotas às vezes não medem as consequências do que fazem.
— Ele era um desenhista... parecia tão legal...
— Eles sempre parecem, Hellen, e sempre têm uma conversa envolvente. Na sociedade, são gentis e bacanas.
— Diga, Hayley... que tipo de veneno de cobra era esse? E como é que você arranjou uma zarabatana?
— Quer saber, Hellen? Há coisas que é melhor eu não contar. Comprometeria você.
— Mas por que você o matou? Você não matou Jeff Kohlver. E ele contou aquela história fantástica, da adolescente que o dominou e o fez revelar tudo...
— Eu estava sozinha com Jeff Kohlver e pude fazer tudo do meu jeito. Mas aqui eu peguei Victor em flagrante, não havia dúvida alguma sobre as suas intenções. E mais: se eu prendesse Victor e começasse a levantar as provas, você teria que acompanhar tudo e seria perigoso. Eu não posso expô-la desse jeito.
— Eu compreendo, mas e você? Não se expõe?
— Ninguém sabe quem sou eu, Hellen.
— E quem é você? Com certeza Hayley Stark é um nome fictício, senão já a teriam localizado.
Hayley sentou-se no sofá mais próximo e chamou a outra para sentar ao seu lado.
— É melhor não excogitar quem eu sou, Hellen.
— Está bem. Desculpe. O seu segredo é a sua segurança.
— Temos agora de pensar no que você fará. O seu celular está ligado?
— Sim, está. Às vezes custam a me chamar...
— Você tem um álibi? Isto é, pode justificar a sua ausência de casa sem precisar dizer que está aqui? Sei onde você mora, se quiser lhe acompanho até perto de casa. Não tem necessidade de se envolver com um cadáver, vamos embora agora mesmo e de táxi — ele não vai se importar se eu pegar algum dinheiro.
Hellen apenas fez que sim com a cabeça.
Ergueram-se as duas.
Antes de saírem, Hellen olhou firmemente nos olhos lindos de Hayley Stark e observou em tom de êxtase:
— Acho que agora eu sei quem você é.
— Sim? — Hayley parecia impassível.
— Você é um anjo. Sim, um anjo fazendo estágio na Terra. É isso o que você é.
Hayley Stark apenas sorriu.




NOTA: Hayley Stark é personagem do filme americano-canadense "Hard candy" (O doce amargo), de 2005, onde é interpretada por Ellen Page. Infelizmente no Brasil puseram o horroroso título de "Meninama.com", transformando a heroína em vilã. O nome Stark é simbólico, quer dizer inflexível. Hayley Stark é um ícone na luta contra a pedofilia.
O presente conto é uma fanfic.
Mais informações na resenha "O Anjo da Justiça" e no poema "Ode a Hayley Stark". Ela também aparece nas minhas fanfics (contos) "O Natal de Hayley Stark" e "A sombra de Hayley Stark".