Lara Bianque

A encurralou o fim de tarde, as pessoas encolhidas debaixo dos casacos de lã, assopravam sem querer a fumaça do frio rigoroso.

Larta misturou-se a eles, enrolada na manta colorida confeccionada por sua mãe. Sempre cautelosa com a saúde da caçula, aconselhando-a nas raras visitas, que tomasse cuidado, pois, a vida longe dos pais era traçoieira. Envolvimentos com homens que mal conhecia aquele trabalho misterioso da filha, a deixava apreensiva... Lara sorria, por de trás da manta e o gorro preto cobrindo por inteiro os cabelos. A gabardine, obstruindo qualquer visão do corpo que ela julgava sem atrativos. Ou por outra que só “atraia” os homens errados. Então, escondia-o nas calças compridas, boca larga e botas, não se maquiava. Para o que fazia quanto mais discrição melhor.

Ela caminhou algumas quadras pensando na sua rotina, o que há distraiu um pouco. Olhando para os lados, pegou do bolso um papelzinho contendo um endereço. Consultou o número, a rua e colocou de volta no fundo da gabardine. Instintivamente procurou a alça da bolsa, lembrando que vaidade ainda que sem exageros, não combinava com o momento. Por isso, só apochete com os objetos necessários.

O prédio em decomposição inspirava cautela principalmente pela porta pendida para o lado. Verificou as dobradiças enferrujadas, a janela ou o que restou delas entreabertas, como se alguém ainda quisesse transformar aquele lugar funesto em moradia. Ficou enojada, ainda mais quando o ar carregou-se do cheiro forte de umidade. As cortinas, um dia belas, rasgando o mofo das paredes, os móveis enegrecidos pelo descaso, alguns cobertos por lençóis amarelos, dando a impressão de um retorno.

Lara procurou um lenço, cobrindo as narinas, senão começaria com seus espirros intermináveis por conta do abandono. ABANDONO? Quase riu, lembrando-se, que estava ali justamente por isso. Mas, não queria pensar nas causas, estava disposta a encerrar “também” aquele caso.

As escadas exigiam cuidados. Certificou-se quando a avistou discreta num canto da sala ampla. Faltando alguns degraus, e os que restavam pareciam ocos, como o instante em que Ronaldo passou por ela, atropelando, as pupilas alteradas, o cheiro inconfundível, a bolsa de viagem com objetos pontiagudos se avolumando...

Sobressaltou-se. Não estava sozinha, escutou ruídos na parte de cima. Procurou a pochete, qualquer movimento abrupto estaria preparada, afinal não se apavoraria com mais nada na sua maldita existência, nem com a mediocridade do ser humano, mas propriamente o sexo oposto. Sentiu raiva de si mesma pensando outra vez nos seus probleminhas domésticos. Não era dada a chiliques... A dor que doesse em outra década...

Tomando cuidado para não ranger os pedaços de madeiras podres, subiu prestando atenção nos movimentos ou possíveis sombras nos quartos supunha que lá fossem os aposentos.

Um silêncio enervante circundou o ambiente. A cada passo, agora seguros do que fazia, Lara transformava-se na detetive Bianque. Sigilosa, treinada para desvendar casos obscuros, sempre com grande êxito: ganhará prêmio por sua coragem, tendo em vista, (como dissera um colega enciumado) sua condição mulher. Não era afobada, a mãe adora dizer sendo assim não atropelava os acusados, revelando a verdadeira identidade. o bilhete deixava claro: um religioso assassinado a sangue frio naquele local fora encontrado por adolescentes drogados e continuava em poder do assassino, que exigia um advogado,televisão e não se entregaria sem testemunhas.

Lara fora acionada. Não morava naquela cidade, precisava fugir de um relacionamento conturbado. Por que não investigar aquele caso? Um pouco dela sabia o motivo, precisava reaver sua autoconfiança, colocar em risco sua própria vida, talvez uma bala perdida desse fim aquele processo depressivo...

Cada passo intranqüilo, o coração saltava, não sabia o porquê, mas hoje não se sentia segura para aquele mistério.

Ronaldo se foi, sem nada explicar, deixando-a frágil e cavando um abismo na relação. Nenhuma palavra, um bilhete sequer... Lara pensava e procurava o bandido, assassino, ladrão de sonhos, de planos, o desgraçado que furtou sua vida. Não deixou nenhum rastro, uma pista, se pudesse o caçaria até no inferno.

Não podia pensar naquilo correndo perigo. Sentia isso.

O cheiro de carne apodrecida intensificava-se mais e mais, o cadáver em decomposição estava ali, mas onde? Claro que o assassino continuava velando a sua atrocidade. abriu apochete certificando-se de estar com a arma carregada, escondeu-a num dos bolsos. A principio conversaria com o acusado, tinha uma boa lábia. Devidamente armada caminhou pé ante pé, arrastando-se pelas paredes sujas, olhando para dentro do ambiente. Apertou o revolver na mão fazendo os dedos estalarem no silêncio daquelas peças quase vazias, qualquer ruído era assombroso e incrivelmente alto... Um rato passou entre seus pés, engoliu o grito, caminhou para a escada. Precisava tomar fôlego, não conseguiria agir descontrolada daquele jeito. Estava lá para pega-lo, não para ser pega...

Quando atingiu o topo, o cano de outra arma congelou sua nuca, a voz abafada do assassino bruniu: “Cadê o delegado, a televisão?” Fala drogada! Lara guardou a arma, levantou os braços e pretendia virar-se lentamente. Conversaria com ele, e, enrolando a língua, disse que não sabia de nada. Virando-se para ele cautelosa o encarou. Ele convencido de que se tratava de uma viciada, tirou o capuz mantendo a arma encostada no peito de Lara. Quando esta ia sorrir, soltou um grito: “RONALDO!”...

Com um tiro certeiro, o corpo de Lara foi jogado escada baixa, calando instantaneamente as explicações desejadas...

RÔCRÔNISTA
Enviado por RÔCRÔNISTA em 17/11/2015
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