Crime Perfeito

Perina se levantou e foi até a cozinha, queria transformar toda a sua raiva em uma ideia de vingança, precisava encontrar uma forma de ridicularizar sua inimiga.

Abriu os armários, seus olhos fixos e atentos a qualquer insinuação, a qualquer sugestão para um crime perfeito.

“Cozinha é o melhor lugar para se premeditar um crime. Aliás, uma mente criminosa com certeza nasce ou se desenvolve aqui.”

Pensou ela determinada, enquanto abria as gavetas.

Um objeto atraiu seu faro, seus olhos fixaram-se nele, pura concentração, nada era mais importante naquele momento, nada que conseguisse quebrar aquela atração. Uma força magnética criou-se ali.

Pegou-o, caminhou até a sala, sentou-se no sofá e explorou-o primeiro com os olhos e depois com os outros sentidos. Consumiu-o completamente, e depois daquela experiência intensa e voraz, deixou seu corpo cair cansado, deitando-se no sofá.

Suas mãos sem forças se abriram e soltou a prova do crime, o objeto escorregou pelo sofá e caiu no chão, o conteúdo devorado até o final, sobrava apenas a embalagem daquela deliciosa e intensa experiência.

Passado o torpor, Perina se sentia péssima, novamente foi dominada por aquela força e impetuosamente comeu toda a barra de chocolate. Daquela forma, jamais conseguiria colocar em ação sua vingança.

Pra isto precisaria pensar como uma verdadeira criminosa. Saiu atrás de uma ideia assassina e o que conseguiu foi acrescentar mais colesterol à sua coleção devorando aquele tablete inteiro de chocolate.

Perina era compulsiva, desde pequena, por sorte não tinha tendência a engordar, mas tinha problemas com o espelho e com a autoestima, o que afetava e muito suas relações. Eram sempre superficiais.

Já havia pensado em procurar um médico, chegara até a marcar. Mas sempre desistia, não era fácil abrir mão daquela liberdade gastronômica.

Mas agora era diferente, precisava começar a pensar com a cabeça, ou emagrecê-la, sim porque de tanto pensar em comida, achava que sua cabeça já estava gorda.

Trabalhava atualmente numa loja de utilidade doméstica. Foi lá que conheceu Júnia, uma mulher magra, linda, desenvolta… mas uma cobra, que além de colega de serviço era também vizinha, morava três casas depois de Perina.

Júnia era má por natureza, inventava mentiras, colocava amigo contra outro, fazia as maiores armações e saia de boazinha. Com Perina então, ela vivia aprontando.

E desta vez Júnia tinha passado dos limites, aprontou uma que Perina evitava até pensar, falar com os outros sobre aquilo então, de jeito nenhum.

Ela injetou corante num chocolate que Perina amava e aqueceu – o um pouco. Quando Perina foi comê-lo ele estava todo derretido, e gulosa como era, se lambuzou toda. E o resultado, mesmo depois de lavar ficou com o rosto e as mãos todos manchados, deixando claro pra quem quisesse ver que tinha, como uma criança recém-nascida se sujado inteira para comer.

As pessoas que já conheciam bem sua compulsividade, chegavam a olhar com dó pra ela, e fingiam não perceber aquela catástrofe.

Aquilo despertou em Perina o que ela tinha de pior. Iria controlar sua fome para satisfazer seu ideal mais profundo: a vingança.

Precisava de uma ideia.

Abaixou e pegou a embalagem de chocolate e foi pra cozinha preparar o jantar. Ali pensando no que fazer… Veio o insight:

“Lógico, comida envenenada, como não pensei nisto antes, uma comida irresistível e envenenada. A mesma arma da inimiga.”

Escolheu a receita, planejou tudo. Tinha todos os ingredientes, faltavam apenas os morangos. E ela queria colocar numa travessa floral que tinha na loja que trabalhava, que aliás, ainda estava aberta. Resolveu dar um requinte de crueldade à sua vingança, ligou para Júnia e pediu para que ela trouxesse morango frescos e a travessa quando viesse do trabalho. Falsa como era, ela se prontificou imediatamente.

A quantidade de veneno tinha que ser bem dosada, senão poderia até matar. Decidiu colocar todo o frasco, porque sabia que Júnia comeria um pedaço pequeno, assim teria uma baita dor de barriga e mais alguns incômodos. Era uma vingança arriscada, mas valia a pena.

Lavou toda a louça, pôs o lixo pra fora e sentou no sofá para descansar.

Mas enquanto descansava pensou melhor e desistiu da vingança, aquilo nada tinha a ver com ela, Júnia era do mal, ela não.

Estava decidida, pela manhã iria jogar a sobremesa fora e depois procurar um médico e começaria um tratamento, tudo aquilo já estava começando a mexer com seu caráter.

Mas tinha sido bom pensar e executar até ali aquela vingança, era como um desestressante. Agora ia seguir com sua vida.

Estava tão cansada que dormiu ali mesmo assistindo televisão.

Perina acordou assustada, tivera um sonho tenso, mas delicioso. No sonho ela levantara e encontrara um pavê embrulhado pra presente em sua geladeira e comera quase todo.

De tão intenso o sonho, ela se sentia até sem ar. Levantou-se e sentiu o corpo pesado, a cabeça girando, e muita tontura. Com muito esforço, foi pegar um copo de água.

Abriu a geladeira e lá estava a sobremesa desembrulhada e comida quase toda.

“Não foi um sonho!”

Tentou entender, mas seus sentidos foram sumindo e seu corpo pesando até que caiu morta no chão.

A faxineira chegou mais tarde e chamou a polícia. Encontraram o pavê envenenado e na investigação descobriram que foi Júnia quem comprou os morangos e a travessa floral.

A conclusão da polícia foi a óbvia: Júnia fez uma sobremesa envenenada e deu pra Perina.

Júnia chegou algemada á delegacia.

-Não fui eu, eu juro, ela que me encomendou a travessa e os morangos.

Mas o delegado, que era gordinho estava enfurecido com tamanha maldade.

-Você vai pagar pelo mal que fez a esta moça. Tentou um crime perfeito, seu álibi até que é bom, mas vou te alertar.

-CRIMES PERFEITOS NÃO EXISTEM!