~*SENHOR DAS DESCONFIANÇAS*~ cap. IX

Ainda no quarto, o detetive Ruan Gaspar explorava cada objeto, cada móvel, cada gaveta e parede, tal e como um cão farejando alguma pista, evidência de um crime. Sua mão tocou o tecido sedoso da cortina vermelha e levemente a franziu para o lado, desvendando o janelão. Abriu aquelas portas de vidro e sentiu a brisa do vento bater contra sua face e perfumá-la com aromas místicos de flores. Deu então alguns passos para frente e encostou-se nas grades protetoras da varanda, contemplando o céu, que estava tão azul naquela manhã, com o rosto levantado, mas sendo atraído por alguns zumbidos de conversas e risos e, ao olhar para baixo, viu a senhorita Thalia e sua pequena irmã a conversarem com o jardineiro, sim, supostamente era o jardineiro da mansão, estava cuidando do jardim. Ruan pôs os braços sobre a grade e permaneceu a observá-los, achou interessante a maneira como as senhoritas se comportavam com o velho e como Thalia relaxava a mão sobre o ombro dele e admirava seu cuidado com as flores do jardim; já a irmã pequena se soltava entusiasmada e agachava-se ao lado do jardineiro, como se quisesse tomar-lhe o tesourão e provar daquela coisa que parecia tão divertida que era aparar os galhos dos arbustos. Ora Ruan sentiu cócegas no nariz e isso lhe provocou um primeiro espirro, o que chamou a atenção da senhorita Thalia e dos outros, e quando olharam para cima, o detetive já estava deixando a varanda e adentrando no quarto. Ele dobrou o braço na altura do nariz e antes de fechar o janelão, deu o segundo espirro. Começou a achar que era alergia às flores e decidiu sair do quarto.

~*~

Ruan desceu as escadas ainda a esfregar o nariz irritado e levava alguns de seus livros e cadernos nas mãos. Beatriz continuava no sofá e lia um livro, mas Thiago já havia se retirado.

- Atchim! - Ruan espirrou pela terceira vez, parando por um instante no meio da sala e por pouco não derrubou os livros. Em seguida, olhou com constrangimento para Beatriz - perdão.

Beatriz havia deitado o livro sobre as pernas, tendo se desconcentrado da leitura com o espirro do detetive e após lançá-lo um olhar maldoso, voltou à leitura. O mordomo que ia saíndo do salão de janta, foi depressa até Ruan com o intuito de ajudá-lo com os livros.

- Deixe-me ajudá-lo, senhor - disse o mordomo, que já ia pegar os livros.

- Não é necessário, obrigado - disse Ruan num tom gentil e indireitando os livros, no que o mordomo se afastou para o pé da escada.

Ruan deu continuidade aos passos e entrou no corredor que levava até seu novo escritório, chegando até a sala, abriu a porta e deixou-a entreaberta. Pôs os livros e cadernos que levara encima da escrivaninha, limpou as mãos e passeou o olhar na pequena sala. Havia sobre uma mesinha, ao lado direito da porta, uma vitrola antiga e mui bela que chamou a atenção de Ruan. Curioso para saber se a vitrola ainda funcionava, baixou a agulha sobre o disco já pôsto e de repente um bolero arranhou alto, no que o detetive se jogou sobre o disco e levantou a agulha, para parar a música. E um tanto desconcertado, ele caminhou lentamente até a porta e pondo a cabeça para fora da sala olhou discretamente de um lado a outro do corredor, para se certificar de que ninguém havia escutado o soar da canção. Seguro disso, encostou um pouco a porta e deu a volta na escrivaninha para se sentar na cadeira.

Passado algum tempo, Ruan viu o Sr. Arantes entrar no escritório com passos pacíficos e se aproximar da escrivaninha.

- Com licença, detetive Gaspar - disse o Sr. Arantes, pondo as mãos sobre o móvel e demonstrando um amável sorriso a Ruan, que por sua vez consentiu -, vim saber se está gostando do novo escritório.

- Para ser sincero - fez uma breve pausa, fazendo o Sr. Arantes recear sobre sua possível resposta -, me agrada muito.

- Que bom - soprou um ar de alívio e mostrou um novo sorriso - Também vim dizer-lhe que foi uma ideia perfeita começar fazendo entrevistas com cada um da mansão e, se isso não me fizer incorreto, eu gostaria de lhe sugerir que a primeira entrevista fosse com minha esposa.

- Por quê? - perguntou Ruan, pressionando as mãos contra os braços da cadeira para colocar-se de pé.

- É que ela sempre difama as coisas de minha mãe - dizia, com o olhar caído na medida do ombro - e sei que nunca gostou muito dela. Pode ter sumido com os objetos e fotos só para me provocar.

- Bem - Ruan se pôs de frente ao Sr. Arantes, mas com a vista perdida na porta entreaberta -, eu ainda estava meio indeciso sobre com quem fazer a segunda entrevista, então acho que não tem problema em ser com sua esposa.

- Espere, segunda entrevista?

- Sim.

- E com quem foi a primeira? - perguntou a cruzar os braços e franzir o cenho.

- Com o senhor.

- Mas, as entrevistas não são apenas com os suspeitos?

- Exatamente - consentiu Ruan.

- Espere um pouco - desfez a posição dos braços e tocou o peito com o dedo indicador -, está suspeitando de mim?

Ruan o observou prestativamente por um curto tempo, para refletir sobre aquele semblante e passou por seu lado a caminho da porta, antes de respondê-lo.

- Enquanto o mistério não for desvendado - dizia o detetive, com o rosto voltado para o Sr. Arantes e com a mão na maçaneta da porta -, todos serão suspeitos.

- Mas fui eu quem contratou os seus serviços! - exclamou indignado, virando-se para o detetive e o fitando com grande estranheza.

- Isso não faz com que deixe de ser um suspeito.

- Sabe, estavam certo sobre você - aproximou-se do detetive e lhe apontou o dedo enquanto falava -, é um maluco!

Sob essa exclamação nada gentll, Ruan poderia ter se ofendido e vociferado palavras grosseiras, mas ao contrário disso, mostrou-se zen, porquanto já estava acostumado a ouvir certo tipo de coisa a seu respeito, pôsto que preferiu receber como uma brincadeira.

- Eu diria - pensou um pouco para refrescar a memória, antes de continuar - "engenhoso".

- Não, maluco mesmo! Um completo maluco - exclamava o Sr. Arantes, à medida que Ruan saía do escritório, e correu até a porta para gritar no corredor, nas costas do detetive que ia andando tranquilamente, com as mãos nos bolsos -, maluquin-ho! Maluco!

~*Continua...

Lyta Santos
Enviado por Lyta Santos em 24/08/2016
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