O caso da khepesh - Contos do detetive Furtado

Por trás do “Museu Arqueológico, de História e de Arte Moderna”, mais conhecido como MAHAM, próximo da Praça das Fontes e do parque local, há um conjunto de edifícios habitacionais cujo o subsolo, um antigo sistema de captação de água e esgoto, foi transformado em um reduto da cultura underground da cidade. O local é utilizado principalmente para promover raves que perturbam a paz e o sossego dos moradores do centro da metrópole. Os residentes dos prédios acima do Calabouço – Nome dado pelos frequentadores do covil subterrâneo – já denunciaram as festas à polícia diversas vezes, mas tudo o que estava ao alcance da força policial foi tentado e não surtiu efeito. As pessoas sempre voltavam a ocupar o local. Agora, a polícia já descarta a hipótese de se dirigir ao Calabouço assim que termina a denúncia ao telefone. A não ser que mencionem um corpo.

- Angelique Monterey, 28 anos. Segundo relatos iniciais de testemunhas, estava desacompanhada.

- Então temos que descobrir com quem ela se encontrou aqui. Podemos começar a elaborar nossa lista de suspeitos a partir disto.

Os dois policiais, parceiros de longa data e veteranos em cenas de crimes, foram os primeiros a chegar ao local, atendendo ao chamado da central. Eles esperavam a polícia forense chegar para iniciar a investigação. Juntamente ao grupo de investigadores especiais, foi chamado o detetive Furtado para acompanhar o caso de homicídio. Assim que o detetive chegou, começou a examinar o corpo e os pertences da vítima à procura de provas.

- Vejo um único ferimento em todo o corpo da vítima, causado por um objeto cortante. Possivelmente um estilete ou algo parecido. – Falou o perito médico legista para o detetive Furtado, enquanto este perscrutava o corpo. – O objeto penetrou pelo abdômen, pelo lado esquerdo, e a vítima morreu pela total hipovolemia.

Após minuciosa análise do cadáver, o detetive passou a vasculhar a bolsa da vítima. Encontrou dentro dela um crachá.

- Uma identificação de funcionário do MAHAM. Curadora da exposição “Antiguidades Egípcias” do museu.

- Nós já tínhamos visto, junto com os documentos de identidade da vítima, detetive Furtado. Não achamos que fosse algo de relevante para a investigação.

- Sim, entendo o porquê de vocês terem deixado passar isto. Por que Angelique trouxe o crachá do serviço para uma festa como essa?

- Talvez tenha vindo direto do trabalho para a festa. – Disse o legista.

- Ou pretendia ir para lá após a festa. É melhor investigarmos o MAHAM também.

- Já temos os primeiros suspeitos. Ela se encontrou com três pessoas aqui na festa. Estão esperando para serem interrogados ali no bar. – Disse um dos policiais veteranos.

- Pois bem. Vamos investigar com quem a vítima passou seus últimos momentos.

A equipe foi de encontro ao bar, onde estavam os suspeitos. O primeiro, um homem de meia idade baixote e careca, com pinta de conquistador barato. A segunda, uma jovem de cabelos castanhos trançados e óculos de aros grossos. E, por fim, um homem entre seus 25 e 30 anos de paletó e gravata. Nenhum deles parecia pertencer àquele lugar. Furtado começou o interrogatório pela jovem, puxando ela para um canto e iniciando com a pergunta:

- Qual o seu relacionamento com a vítima?

- Eu não a conhecia, policial.

- Certo. E o que você fazia com a vítima pouco antes dela ser assassinada?

- Estávamos Angelique, Mathieu, Horácio e eu no bar, conversando. Eu a conhecera momentos antes, na pista de dança, e viemos para o balcão tomar uns drinks. Os rapazes estavam aqui e se interessaram por nós. Após algumas bebidas pagas pelos dois, Angelique se levantou e saiu. Foi a última vez que a vi com vida.

- E os dois homens? Ficaram com você aqui no bar o tempo todo?

- Sim. Até a polícia chegar não saíram do meu lado.

- Tudo bem. Acho que é só o que preciso de você, por enquanto. Você ainda não está liberada, senhorita...

- Linda. Linda de Pádua.

- Obrigado, Linda.

O detetive Furtado interrogou os outros dois homens e os álibis batiam. Nada de anormal nos depoimentos deles. Pareciam pessoas comuns, que se conheceram em uma festa como outros quaisquer.

- Então só nos resta agora ir até o MAHAM descobrir porque a vítima estava com seu crachá. – Disse Furtado.

No museu, a equipe se dirige a ala das Antiguidades Egípcias. Chegando lá, encontram um homem magro, quase esquelético, vestido todo de preto e gritando ao telefone:

- Como assim as filmagens também foram levadas? Eu preciso descobrir quem roubou o artefato até domingo, ou não poderemos exibir as Antiguidades Egípcias na segunda-feira.

- Senhor? – Disse o detetive Furtado. – Somos uma equipe da polícia e estamos aqui para...

- Ótimo! – Disse de súbito o homem, desligando o celular. – Eu sou Herman Houston, diretor do MAHAM. É muito bom saber que a polícia trabalha tão bem. Querem ver o local do roubo, certo?

- Roubo? Mas que roubo? – Indagou Furtado.

- Então vocês ainda não sabem? Uma de nossas khepesh sumiu.

- E o que viria a ser isso?

- Um armamento egípcio antigo. Tudo indica que foi roubada. E se a coleção completa não estiver aqui, não poderemos colocar a ala em exposição.

- Acalme-se, senhor Houston. Eu não pude evitar e ouvi o senhor dizendo que as filmagens também desapareceram?

- Exatamente. Mais um indício que foram frutos de um roubo.

- A polícia ira averiguar isso, sim, senhor Houston. Mas nós não estamos aqui para isso. Uma de suas funcionárias, Angelique Monterey, foi assassinada.

- Angelique? Meu Deus!

- Queremos saber se o senhor poderia colaborar com as investigações do assassinato dela.

- Certamente.

- Poderia começar nos mostrando o registro e os horários de cada funcionário aqui do museu.

- Providenciarei imediatamente.

Alguns minutos depois o homem volta com um calhamaço que ele mal conseguia carregar. Furtado minuciosamente analisou o registro até encontrar o de Angelique. A teoria dele de que ela entraria no museu após a festa estava correta. Ele então passou a relacionar os horários dos outros funcionários com o de Angelique. Apenas a assistente da vítima trabalharia com ela naquela madrugada. Linda de Pádua.

- Eu quero que emitam um mandado de prisão para Linda de Pádua. – Bradou Furtado.

De volta ao Calabouço, a polícia já escoltava Linda para a delegacia para prestar esclarecimentos. Detetive furtado encaminhara-se para a delegacia em seu carro particular que deixara próximo ao reduto do assassinato. O legista acompanhou o corpo até o necrotério. E o restante da equipe ficou para isolar a cena do crime e também para investigar o roubo da khepesh no MAHAM.

Já na delegacia central, Furtado foi de encontro a Linda para novo interrogatório:

- Por que mentiu para mim, Linda?

- Eu não menti, policial. Foi uma coincidência encontrar com minha futura chefe naquela festa. Eu não a conhecia até então.

- Quer que eu acredite numa fantasia dessas?

- É verdade. Eu juro. A exposição é nova e o grupo de funcionários não haviam se encontrado ainda. Ficou acertado que faríamos tudo o que era necessário esse final de semana, para abrirmos na segunda.

- Mesmo assim, Linda. Você ocultou a informação de que você era subordinada de Angelique, mesmo sem a conhecer ou ter tido relações profissionais com ela. Esse tipo de relacionamento não pode ser escondido em uma investigação policial e poupa muito tempo nosso. Devido sua mentira, você agora é a suspeita número um do assassinato.

- Não! Eu nunca mataria uma pessoa.

Os dois são interrompidos pelo celular de Furtado tocando. Era do perito médico legista. Furtado atendeu com um sonoro “pronto!”.

- Acabei a autópsia da vítima e constatei, por um acaso do destino, que a arma do crime pode ter sido a khepesh desaparecida do MAHAM.

- Não pode ser! Quer dizer então que se não tivéssemos ido até o museu e constatado que a khepesh fora roubada, você não chegaria a esta conclusão?

- Exatamente.

- Obrigado pela informação. Furtado desligando.

- O que está acontecendo? Que conclusão é essa?

- Eu faço as perguntas por aqui. Você teve acesso ao acervo da exposição ou ao museu?

- Não. A primeira vez que teria contato com as peças seria hoje, mais ou menos esse horário.

“Alguma coisa não está se encaixando”. Pensava Furtado. “Nossa única suspeita parece ter um álibi, mesmo que pouco plausível, ainda possível de ser verdadeiro. O problema que o álibi é a própria vítima”.

Os pensamentos de Furtado se interrompem com alguém batendo na porta. Quando esta se abre, revela-se que é um dos policiais veteranos de horas antes. Ele diz ter notícias importantes:

- Acharam a khepesh, senhor.

- Onde estava?

- Em um terreno baldio próximo do Calabouço e do MAHAM. Ensanguentada até o meio da lâmina, o que parece bater com o ferimento. Estão analisando o artefato agora. Deve levar algumas horas, mas, após isso, teremos o suspeito mais provável de ser o assassino.

- Torça para não ter suas impressões naquela arma, Linda.

Mas para a surpresa de Furtado, todas as impressões digitais encontradas eram de Herman Houston. De volta ao MAHAM, os policiais cercaram o perímetro e o detetive Furtado entrou junto a outros três policiais no escritório de Houston.

- Você está preso pelo assassinato de Angelique Monterrey, Herman.

- O quê? Mas isso é um absurdo! Eu não matei ninguém!

- Guarde suas palavras para o interrogatório.

Mas acontece que Herman Houston tinha um álibi fortíssimo. As câmeras de segurança do MAHAM, que mostravam que ele esteve o tempo todo no museu, cuidado do desaparecimento da khepesh.

Quem então poderia ser o assassino. Todos os suspeitos haviam sido esgotados e ninguém havia sido preso ainda. Linda conseguira escapar apenas com um processo por obstrução da justiça e Herman sempre fora inocente. Quem, afinal, matara Angelique Monterrey?

Alguns dias depois, o detetive Furtado recebe um envelope pelo correio. Ao abrir, constata que há apenas um DVD dentro. Ele coloca em seu aparelho e ele roda, mostrando ser um vídeo de uma festa. A filmagem aparenta ser de uma câmera escondida, típica de investigações jornalísticas ou policiais. A festa aparenta ser uma rave bem animada. Então surge Angelique Monterrey no vídeo, dançando animadamente. Alguns minutos se passam com ela e a pessoa que faz as imagens dançando, até que a pessoa por trás da gravação esfaqueia a mulher com o artefato antigo. Ela cai desfalecida no chão e a imagem corta. Algum tempo de estática e depois aparece no vídeo uma pessoa com o rosto desfigurado, também típica aos noticiários telejornalísticos. A pessoa fala, e a voz também está camuflada eletronicamente. Ela diz que esse foi o primeiro de muitos atos de revolução que vão acontecer. E que o detetive deveria estar preparado para o que viria a seguir. O vídeo acaba e o detetive Furtado fica sem saber o que fazer.

Enquanto isso, no MAHAM, A exposição Antiguidades Egípcias é inaugurada. Com o carro-chefe: a khepesh do assassinato. O artefato mais antigo da exposição e que com certeza matou uma pessoa.

Gustavo Alves Ribeiro
Enviado por Gustavo Alves Ribeiro em 28/08/2016
Código do texto: T5742825
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