~*SENHOR DAS DESCONFIANÇAS*~ cap. XLII

- Eu já estava muito distanciado de meus pais, mas sinto que depois daquilo, nos afastamos mais ainda - dizia Henrique, abandonando a taça de vinho encima da mesinha de centro e se aprofundando nas lembranças amarguradas que transbordavam de sua mente - E quando chegou o Natal, eu passei sozinho em casa, pois meus amigos estavam comemorando-o com suas famílias e eu com meus pais ricos, que nunca existiram. Eu parecia bem junto aos amigos, mas me tornava um homem solitário em casa; quase entrei em depressão, passando noites de insônia... Não consegui me relacionar mais com nenhuma mulher, pois subitamente eu me transformava num homem ignorante e frio, não sabia mais agradá-las. Fiquei sozinho, me dopando de remédios... Meu armário ficou cheio deles.

- Mas, você não tem vontade de reencontrar seus pais? - perguntou Ruan, que até aquele momento só escutava.

- Sim - quase sorriu ao falar, não fosse os pensamentos negativos para perturbá-lo - Mas não acredito que ainda queiram me ver por lá.

- Bem, é certo que seus pais tenham ficado magoados, não poderiam simplismente te abraçar e fingir que nada havia acontecido... Porém, você ainda é filho deles e eles ainda são seus pais! E enquanto você estiver aqui em vida, poderá se arrepender e pedí-los perdão. É normal que eles demorem um pouco a se livrarem da mágoa de terem sido desprezados pelo filho, todavia nunca é tarde para mudar e para conseguir uma nova chance.

- Você tem razão! - disse, se pondo de pé com firmeza, no que Ruan teve de elevar o rosto para fitá-lo, mas permanecendo em sua poltrona - Não tenho mais o que perder, ou melhor, perderei se não tentar mudar isso agora. Cansei de esconder meus pais, de desagradá-los só para agradar aos outros! Vou para Minas rever as duas pessoas que mais amo e pedí-las perdão.

- Que bom que decidiu isso - Ruan mostrou um sorriso de orgulho, ao passo que também se colocava de pé.

- É como dizem: há males que vem para o bem. E você, detetive Gaspar, é um mal que veio para o meu bem! - tocou no ombro de Ruan e logo mais abraçou-o fortemente, ato que deixou o detetive surpreso - Obrigado!

- Não tem o que me agradecer - Ruan disse, depois de se apartarem.

- Agora vou fazer minhas malas. Quero partir o quanto antes!

- Ah, não deixe de me telefonar para contar como foi o reencontro.

- Claro!

~*~

Se Ruan tivesse regressado à mansão um pouco mais cedo, teria conseguido almoçar junto aos Arantes, mas tendo eles já se retirado da mesa, Ruan fez sua refeição sozinho.

- Maria... Tenho que dizer, só olhando já sei que sua comida está deliciosa - disse Ruan, contemplando o prato que lhe foi servido pela cozinheira.

- Tudo que é feito com amor fica muito bom, detetive Gaspar - Maria falou sorrindo, ao passo que enchia o copo de suco.

- Mas além do amor, sei que também há outro segredinho para sua comida ser tão boa - ele fez uma cara de menino levado.

- Sabe? - perguntou apreensiva Maria.

- Sei...

E nesse momento entrou Thalia na sala de refeição, fazendo Ruan se inclinar para a cozinheira e falar mais baixo.

- Mas será sempre um segredinho nosso - falou Ruan para Maria e essa o agradeceu com um sorriso. Então Ruan voltou o rosto para Thalia que se acercava da cozinheira e parecia um pouco intimidada; pensou em saudá-la, mas ela o fez primeiro, para a surpresa dele.

- Olá, detetive Ruan Gaspar - disse Thalia, mirando-o com um olhar tímido de menina e receando que essa atitude de anteceder a palavra dele não tivesse sido uma boa ideia.

- Olá, senhorita Thalia - falou Ruan, ainda vacilando em pegar o talher para começar a comer e fitando atenciosamente Thalia - Me atrasei para o almoço.

- Sim - ela sorriu, meneando positivamente a cabeça, à medida que a cozinheira pedia licença para se despachar para a cozinha.

- Suponho que já tenha almoçado.

- Já - Thalia se aproximou um pouco mais dele e cogitou em perguntá-lo o que almejava tanto saber, uma vez que ele estava almoçando.

- Sobre a visita à sua avó - adiantou-se Ruan em dizer, fazendo um sinal com a mão para que Thalia chegasse bem perto, para lhe murmurar, e ela se alegrou por ele ter adivinhado o que ela queria saber e inclinou-se para se aproximar -, gostaria que fôssemos hoje ainda, ou prefere que seja só amanhã?

- Bom... - ela meditou antes para depois responder - Podemos deixar para amanhã? É que ainda estou um pouco apreensiva...

- Sem problemas - ele a olhou gentilmente e finalmente pegou os talheres para saborear a comida, contudo não a levou até a boca por notar que Thalia o fitava fixamente; ela por sua vez desviou o olhar e se apartou.

- Se me der licença, vou ajudar Tayná a retirar as coisas de minha irmãzinha do quarto - ela disse, fazendo menção de que ia se retirar.

- Ora, e o que há?

- Celina não quer continuar naquele quarto porque é muito gélido, então trocará comigo.

- E a senhorita gosta do frio? - ele indagou com um tom de graça, repousando o talher no prato.

- Não é incômodo para mim, mas a saúde de minha irmã é muito frágil e a ventania lhe provoca resfriados e muita tosse.

- Entendo.

- Bom, com licença - Thalia bateu as pontas dos dedos na mesa, à medida que dava de ombros, e Ruan observou aquele gesto como um garoto bobo, à ponto de esquecer do apetitoso prato em sua frente.

- Toda...

Já à noite, Ruan estranhou a comprida ausência do Sr. Arantes; Thiago estava no porão "estudando Anatomia", a Sra. Arantes lia no sofá do salão principal e Thalia devia de ainda estar organizando o quarto com a irmã Celina. Mas o Sr. Arantes... Onde poderia estar? Ruan almejava pelo menos saber se ele estava mais tranquilo, porquanto desde a discussão com o Sr. Henrique Sanches ele andava conturbado. Aconteceu que subindo a escada e tomando o corredor esquerdo em vez do direito, Ruan encontrou a porta do quarto dos senhores Arantes entreaberta e estranhou ao ver o Sr. Arantes no lado de dentro molhando fotografias numa vasilha com água.

- Senhor Arantes? - Ruan chamou, ao passo que o homem girou rapidamente o corpo para fitá-lo - O que faz?

- Eu? - perguntou estupidamente o Sr. Arantes, largando as fotografias molhadas encima da penteadeira - Só estava tirando a poeira das fotografias.

- E não seria mais melhor um...

- Eu sei muito bem o que faço! Agora me diga logo para que veio! Já solucionou o mistério?

- Na verdade eu vim para me desculpar por ter feito o senhor e seu amigo Henrique discutirem...

- Ele não é mais meu amigo - falou com ar de repulsa e caminhou até a porta - e já falei que não precisa se desculpar! Você fez a melhor coisa que alguém poderia ter feito. Agora me dê licença...

Ele fechou rebeldimente a porta no rosto de Ruan e passou a chave; foi uma maneira "generosa" de dizer que ficaria bem, mas sozinho.

~*Continua...

Lyta Santos
Enviado por Lyta Santos em 14/10/2016
Reeditado em 15/10/2016
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