Um drinque

- Me paga um drinque?

Desviou os olhos da TV de LED na parede do bar, onde era exibido um modorrento jogo de futebol da terceira divisão do campeonato brasileiro, e encarou a mulher que o abordara no balcão. Deveria ter cerca de quarenta anos de idade, mulata, não muito alta nem gorda, cabelos cacheados numa nuvem rebelde ao redor do rosto agradável. Vestida com calças jeans desbotadas, blusa de malha lilás (seios grandes, avaliou), um casaco cáqui por cima. Cheirosa.

- Claro, sente-se - disse, indicando o banco vazio ao seu lado.

E estendendo a mão:

- Alberto.

- Luísa - apresentou-se ela, estendendo a mão com unhas longas e bem manicuradas. Apertou-a, e a sentiu macia. Não era mão de quem fazia trabalhos pesados.

- O que bebe, Luísa?

- Gim-tônica.

Alberto fez sinal para o barman. Repetiu o pedido. O barman apenas ouviu, rosto inexpressivo.

- O que faz aqui, Luísa? Não está meio cedo para procurar clientes? - Inquiriu, à queima-roupa.

- Eu não sou prostituta - disse ela, sustentando o olhar dele com um sorriso. - Estou aqui por sua causa.

Ele ergueu os sobrolhos.

- Você me conhece?

Ela manteve o sorriso. Parecia saber de algo que ele não sabia, o que lhe causava certo desconforto.

- Pessoalmente, não. Mas sei que é detetive da 19ª, torce pelo Vila Nova e sempre vem aqui nos sábados à tarde.

Sentiu a face direita repuxar. Um velho tique nervoso. Pôs a mão no bolso do casaco onde guardava a pistola .40. Ela tocou em seu braço ao ver o movimento, e disse, em tom firme, mas amigável:

- Calma. Eu vim conversar, não lhe fazer mal.

O garçom aproximou-se e deixou o gim-tônica sobre o balcão. Ela pegou o copo e sorveu um gole, sem desviar os olhos dele.

- Quem é você, Luísa?

Ela pousou o copo, deixando nele uma mancha de batom lilás. Passou a língua pelos lábios, talvez um pouco mais devagar do que seria estritamente necessário. Ele sentiu as defesas desarmando-se novamente.

- Eu fui casada com o Bruno - disse ela finalmente.

Ele sentiu uma onda de alívio invadi-lo.

- Droga! Por que não falou antes, mulher?

Olhou-a com novos olhos. Ex-esposa? Bruno às vezes fizera comentários ressentidos sobre uma ex, mas nunca dissera seu nome nem mostrara fotos. Até porque, morava há muitos anos com outra mulher, Renata. Não havia mais espaço para Luísa na sua vida.

- Você era o parceiro dele, não era?

- Fui. Até o último dia.

Aquele último dia, quando fizeram a operação contra a quadrilha que desviava cargas de caminhões. Sentiu um aperto na garganta.

- O Bruno me disse que, se alguma coisa lhe acontecesse, eu deveria vir te procurar.

- Ele nunca me falou de você, Luísa - questionou. - Por que devo acreditar que ainda eram próximos?

- Bruno ficou magoado comigo quando lhe dei um pé na bunda. Mas, foi pro bem dele; dizem que até um pé na bunda ajuda você a ir pra frente, né? Então.

Ambos sorriram. Ela prosseguiu:

- Depois que ele se converteu e virou evangélico, senti que não tinha mais espaço na minha vida pro Bruno. E que, de certa maneira, eu era má influência pra ele.

Ergueu o copo e tomou mais um gole de gim-tônica.

- Quando eu o conheci, nem cerveja ele bebia mais - riu Alberto, subitamente descontraído.

- Virou um caxias - Luzia tinha um ar introspectivo, como quem deixa vir à tona recordações por muito tempo reprimidas. - Passou a atacar a nossa religião... bem, a minha religião, né? Eu não aguentei aquilo por muito tempo; mandei ele juntar as coisas e vazar. Até que uns dois meses atrás...

- Vocês se reencontraram.

- Nós nos encontramos, por acaso, no Centro. Paramos para conversar, eu tomei um drinque, ele um refrigerante. Me disse que estava tendo uns sonhos, andava preocupado...

Alberto sentiu uma onda de pesar invadi-lo. Dois meses.

- A gente pode deixar a nossa religião, mas ela não deixa a gente - sentenciou Luísa. - Ele teve um pressentimento do que ia acontecer...

Alberto fez um gesto de cabeça, para incentivá-la.

- E foi aí que ele me disse, que vocês eram parceiros, e que nós tínhamos coisas em comum. Que, se alguma coisa acontecesse a ele, um dia eu deveria vir te procurar, ver como você estava...

Luísa parou de falar, ao ver que os olhos de Alberto estavam cheios de lágrimas.

- Foi culpa minha, - ele balbuciou - o Bruno disse pra esperar os reforços, eu achei que dava pra encarar a parada eu e ele...

E abaixando a cabeça para esconder as lágrimas, rosto entre as mãos:

- Os caras estavam emboscados... ele nem teve tempo de reagir, morreu na hora. Se o BOPE não chega, eu tinha morrido também...

Luísa ergueu-se do banco. Aproximou-se dele e o abraçou, forte, apertado. Ele afundou o rosto nos seios dela, que o balançou, como a um bebê.

- Foi culpa minha... foi culpa minha... - soluçou ele.

No seu ouvido, ouviu de muito longe a voz de Luísa sussurrar:

- Já passou... vai ficar tudo bem... já passou...

- [07-07-2017]