A trança francesa

Natália chegou para trabalhar na segunda-feira, de sobrancelha feita e com o cabelo castanho arrumado numa elegante trança francesa.

- Foi do meu fim de semana - explicou, meio sem-jeito, enquanto guardava sua bolsa no armário.

- Vocês saíram? - Perguntou Luísa, que trabalhava no Setor Fiscal.

- Saímos... - Natália corou ao dizer isso. Luísa riu.

- Me dá os detalhes depois...

- No almoço - respondeu Natália, ligando seu laptop.

O monitor acendeu-se. Uma foto dela com Lucas ocupava o fundo da área de trabalho. Clicou com o botão direito e selecionou "excluir".

* * *

Sentou-se para almoçar com Luísa no restaurante à quilo da esquina. Havia erguido o garfo em direção à boca, quando o celular tocou. Olhou para a tela e era o Lucas. "Devia ter bloqueado o número dele", pensou exasperada.

- O que você quer? Pensei que tivesse sido clara na semana passada...

A voz dele soou surpreendentemente calma em seu ouvido.

- Eu entendi, entendi de verdade. Mas tinha que te dizer que a sua nova foto de perfil ficou linda. Nunca havia te visto de trança.

- Bom, e agora que já viu, tchau!

- Ei, ei, espere... não liguei só para elogiar! Fui fazer um pequeno trabalho de investigação sobre esse Flávio Montoya. Se eu fosse você, começaria a ficar preocupada.

- O que você quer dizer?

- Eu vou te mandar umas fotos pelo WhatsApp. Se quiser conversar, me ligue depois.

E desligou.

* * *

À noite, deitada no sofá da quitinete onde morava, repassou pela décima vez as fotos que o ex-namorado lhe havia enviado. Era espantoso e perturbador, ao mesmo tempo. Nas fotos, Montoya aparecia em eventos sociais, em locais distintos, sempre acompanhado de mulheres jovens, bonitas... e fisicamente muito semelhantes à ela mesma. Todas usando uma inequívoca trança francesa, loura, negra ou castanha.

- Meu Deus... será que Flávio é algum psicopata? - Questionou-se apreensiva.

Precisava saber agora o que fora feito das mulheres nas fotos. Hesitou, mas finalmente decidiu-se a ligar para Lucas.

- Onde conseguiu essas fotos? - Perguntou à queima-roupa.

- Ora... na internet... desconfiei desse Montoya assim que soube que estava saindo com ele.

- Mas desconfiou... por quê?

- O sujeito é metido a playboy, mas ninguém sabe direito de onde vem a grana dele. Suspeita-se de tráfico internacional de drogas.

Lucas era auditor da Receita Federal. O sangue de Natália gelou nas veias.

- Tráfico...

- É, tráfico - repetiu Lucas incisivo.

- Mas... e as mulheres?

- Das mulheres não sei nada, essa é que é a verdade. Mas me chamou a atenção todas serem parecidas com você. A ideia da trança foi dele?

Natália mordeu o lábio inferior.

- Sim... ele pagou o cabeleireiro...

- O cara tem bom gosto - riu Lucas. - E ele disse o porquê do penteado?

Natália engoliu em seco.

- Ele disse... que queria me ver... diferente.

Lucas riu, mas o riso soou forçado desta vez.

- Parece que para ele, o diferente é igual.

* * *

Marcou um encontro com Flávio na noite seguinte, num local público e cheio de gente: a praça de alimentação de um shopping. Ele chegou na hora marcada, muito elegante num terno preto bem cortado - e com uma expressão contrariada.

- Bom, Natália... porque estamos nos encontrando no meio desse tumulto? - Comentou, após terem se beijado e sentado à uma mesa.

Ela pensou que só assim se sentiria segura, mas esboçou um sorriso e respondeu:

- Sei que detesta aglomeração, mas... eu preciso conversar com você. É sério.

- Deve ser. Você está com uma cara... parece que viu um fantasma.

"Um fantasma vestido de preto", pensou ela, arrepiando-se.

- Eu vou falar... - disse por fim. Tomou coragem e disparou:

- Por que a trança francesa?

Ele a olhou atônito. Depois baixou o olhar, como quem é pego numa falta. Finalmente, voltou a encará-la, com uma expressão de tristeza no olhar.

- Imagino que deve ter ouvido falar no meu... que seja... gosto pessoal.

Natália ajeitou a trança, fazendo-a cair sobre seu ombro esquerdo.

- Por que a trança francesa? - Repetiu com firmeza.

Ele estendeu a mão como se fosse tocar o penteado, mas desistiu no meio do caminho. Entrelaçou as mãos e apoiou os cotovelos na mesa.

- É um fetiche - declarou em voz baixa.

* * *

Luísa apoiou-se na escrivaninha, o corpo sacudido por um riso convulsivo.

- Então... ele tem uma tara por mulheres de trança francesa?

Natália corou até a raiz dos cabelos.

- Pelo amor de Deus... fale baixo! Quer que o escritório inteiro saiba?

Luísa tentou recobrar o fôlego.

- E as mulheres das fotos?

Natália mordeu o lábio inferior.

- Ex-namoradas. E algumas acompanhantes... profissionais.

- Mas por que cargas d'água ele procura alguém com esse visual, Natália?

A jovem suspirou.

- Eu não sou psicóloga, Luísa. Mas, de uma coisa eu sei: essa trança francesa é como o sapatinho de Cinderela. Ele andou por aí, experimentando, até achar alguém que sirva...

Luísa levou as mãos ao rosto, quando Natália colocou o casaco que levava na mão direita, no espaldar da cadeira em sua escrivaninha. No dedo anular da mão ora exibida, reluziu um anel solitário de ouro branco, com um diamante de 20 pontos.

- [14-08-2017]