Narapara

Certa vez, caminhando descompromissadamente pela praia, chutando conchas e perseguindo caranguejos, como se é de costume, um pássaro me chama a atenção. Não por suas plumas ou olhos desconfiados, mas por seu bico estranhamente curvado, que mais parecia um anzol.

Ao chegar em casa, decidi pesquisar sobre ele. Depois de passar por algumas páginas do google e wikipédias mal editadas, descobri que se tratava de uma “Andorota”, cujo nome era uma mistura complicada de andorinha e gaivota, o que fazia menos sentido ainda, visto que a andorota não tinha absolutamente nada a ver com nenhuma das outras duas aves.

Aprendi também que seu bico em forma de anzol não era usado para pegar peixes, como a maioria inculta de seus observadores é levada a pensar. Aquele magnífico espécime na verdade se enterrava na areia de praias e pesque-pagues, deixando apenas seu bico de tom metálico para fora. Esperava pacientemente até que algum pescador desavisado, radiante por ter encontrado um anzol tão incomum, e, ao pegar, arrancava-lhe um, ou, dependendo da sorte da vítima, dois dedos.

De volta a seu habitat, uma pequena ilha ao norte de Madagascar, a andorota não comia os dedos recolhidos, mas barganhava com espécies locais por alimento para seus filhotes, que variam desde croissant caseiros até unhas humanas, as quais a ignorante andorota não sabia que pertencia aos dedos capturados.

Um recente estudo de 1422, mostra que o pássaro quase foi levado a extinção, pois humanos dedetas(?) entravam numa nova modalidade de caça, diferente da caça predatória e de todas que já haviam sido vistas: A caça por vingança.

Armados com abridores de lata, os pescadores saiam a procura de andorotas enterradas pela praia, ou melhor, de seus bicos acinzentados. O pobre animal não tinha muita defesa, pois diferente de outras aves que fogem com a presença do humano, a andorota tem de esperar sua vítima, tornando-se assim, uma presa fácil.

Acostumada a beliscar e fugir, com um abridor de latas era diferente. Seu bico ficava facilmente preso no buraco da ferramenta. Sua forma de anzol tornava a escapatória ainda mais difícil. Incrivelmente, as andorotas aprenderam em pouco tempo a evitar os abridores de lata, pois era uma espécie de rápida adaptação. Infelizmente, sem acesso aos dedos humanos, não tinham o que trocar com as espécies de sua ilha natal, uma vez que as mesmas não sabiam o significado de empréstimo, naturalmente. Em pouco tempo, seus filhotes morreriam de fome.

Algumas poucas andorotas, como a que vi aquele dia na praia, são fruto de seu ajustamento às adversidades. Aprendeu a migrar, descobriu que pés de humanos abrigam as famigeradas unhas.

Com as andorotas fora da ilha para sempre, a cadeia alimentar do lugar entrou em colapso. Os estranhos animais que monopolizavam os alimentos em troca de dedos humanos não mais poderiam adquiri-los como antes, visto que a unica espécie de ave da ilha eram as andorotas. Teriam de ir caçar eles mesmos. Poucos anos de evolução seriam suficiente para a mudança daqueles seres que, uma vez decididos, não seriam facilmente parados.

Eles esperam. Mas não por muito tempo.