Nós e eu - Penúltima parte.
Lucy acordou sentindo a grama quente no seu rosto, um sol lindo iluminava o céu, e o abismo dava face a última criação de seu pai:
- Sabe filha, eu criei tantas fazendas por ai... Mas essa está magnífica, graças a você. - O velho contemplava a criação.
Lucífer se levantou fitando o pai:
- Tive tantas dúvidas pai... - Disse chorando quieta.
O velho se aproximou e abraçou a filha pela primeira vez:
- Eu sei...
Ficaram ali um tempo, um abraço que deu o alicerce de toda a natureza:
- Isso é você, natureza. - Disse o Pai fitando sua filha.
- Natureza? - Franziu a testa.
- Venha, me ajude aqui.
O pai pegou a mão da filha e colocou sobre a dele dentro da água, e diversos movimentos surgiram dali:
- O que é isso? To sentindo uma coisa engraçada. - Disse Lucy rindo.
- Vamos dar graça a esse lugar, juntos.
Juntos Lucy e seu pai chupinharam vida na última fazenda, peixes, sapos, lagartos, pássaros e macacos, lindos leões e imensos elefantes. Riram e detalharam o lugar todo, Lucy criou árvore e colocou criaturas na árvore que cantavam sua invenção:
- O que é isso? - Perguntou seu pai.
- Se chama música pai, algo que não sai da minha cabeça.
O Pai fechou os olhos por alguns segundos e se emocionou ouvindo:
- Está decidido Lucy. - Disse abrindo os olhos e secando as lágrimas.
- O que? - Perguntou curiosa.
Ele pegou um punhado de terra e graciosamente deu forma àquilo:
- Assim como a música pra você, tem algo que quero desde criança, algo que não sai da minha cabeça. - Disse o Pai. - Quero que você dê uma parte sua a ele.
- Ele? - Perguntou Lucy.
- Ele vai povoar esse lugar, porém eles devem conhecer a noite que jaz em você Lucy, tudo que você dominou... - Disse o Pai. - É preciso.
Lucy franziu a testa:
- Como faremos isso? - Perguntou Lucy.
O Pai fechou os olhos e das palmas das mãos uma luz forte surgiu, circulando em si, dando forma a um fruto:
- Esse vai ser o fruto proibido, algo que nenhum de vocês, nem mesmo Miguel jamais irá experimentar, algo que só você tem o conhecimento.
O fruto era branco, divino:
- Tome, segure em suas mãos e clame pela noite que jaz em você. - O Pai deu o fruto para Lucy.
Ela segurou-o e se concentrou em toda podridão, morte, sofrimento e agonia que sentiu na noite do abismo, e o fruto que antes era branco agora se misturava com uma cor vermelha, contornando e dando detalhes a forma antes divina:
- Feito. - Disse Lucy entregando de volta ao pai.
- Vamos coloca-lo em uma árvore.
Juntos penduraram o fruto na árvore mais alta da natureza da face do abismo, os animais todos seguiram para assistir aquilo:
- O fruto do conhecimento. - Disse o Pai. - Quem comer irá testemunhar a dualidade, o dia e a noite, a vida e a morte, o bem e o mal, Miguel e você... O ápice de minha criação toda está nesse fruto.
Lucy sorriu:
- Agora preciso que você espere um pouco, vou terminar o boneco. - Encostou em Lucy que apagou novamente junto dos animais.
Lucy acordou no meio da madrugada, leões, tigres e ursos dormiam junto dela, o vento cantava suave e ela percebeu que ela fazia parte daquele lugar, ela era um dos pilares fundadores dali, sentia-se a si mesma nas folhas, nas gotas d'água e no suspiro dos animais:
- Eu sou a natureza... - Disse pra si repetindo as falas de seu Pai.
Levantou e viu que não estava sozinha, um homem dormia profundamente na grama, era lindo e tão puro quanto o pai deles:
- O que é isso? - Perguntou Lucy para o pai que se aproximava.
- Foi assim que eu fui criado Lucy... Como esse homem, nu e sozinho, sem conhecer o mal...
Lucy sorriu ao presenciar um igual a seu pai, sentia a bondade nos batimentos do homem:
- Ele será capaz de criar outros como você? - Perguntou Lucy ao pai.
- Talvez não sozinho. - Sorriu para Lucy. - Vamos ajuda-lo amanha, quer dar um dia a ele sozinho.
N'outro dia Lucy e o Pai assistiram o homem enquanto caminhava pela fazenda, se relacionava com os animais e dava nomes a ele:
- Ele é criativo. - Riu Lucy. - Dando nomes as coisas.
O Pai riu:
- E você não? - Se entreolharam.
O homem correu, saltou, cavalgou com seu amigo cavalo, comeu frutos diversos e ervas, até se cansar, o céu estava borrado de laranja:
- É lindo né, o crepúsculo... - Disse satisfeito o Pai.
- Quando o dia e a noite se juntam em um só... - Disse Lucy assistindo o homem bobo ao olhar para o céu.
- Ei filho. - Gritou o Pai de aproximando do homem. - O que achou do lugar?
O homem não pareceu surpreso com o pai chamando-o repentinamente:
- É tudo lindo senhor... Mas ao olhar para o céu percebo que mesmo o sol grandioso tem um parceiro no vasto céu... Os animais tem seus parceiros e nunca estão só...
O Pai sorriu:
- Assim será com você... Durma... Amanha terá companhia.
O Pai voltou a Lucy:
- Precisamos dar a ele companhia, e juntos serão como eu e poderão criar... - Disse feliz. - Vamos, venha assistir.
Lucy se aproximou a tempo de ver o pai criar um companheiro para seu filho, a partir dele mesmo:
- Esse é diferente. - Disse Lucy.
O pai riu:
- Só pra dar uma variada. - Riram juntos.
- Pronto... Vamos descansar, amanha será um longo dia pra eles. - Disse o Pai.
E dormiram juntos mais uma noite.
Lucy acordou a tempo de assistir o casal despertando juntos, se abraçaram e se amaram o dia inteiro, o homem mostrou a seu companheiro todo o lugar, os nomes que havia dado as coisas e os animais, ela ria e isso alegrava demais o homem, deu sugestão de nomes para animais pequenos que o homem não havia reparado, juntou as flores e decorou o lugar onde dormiam, deu um perfume diferente a natureza, Lucy gostou:
- Essa se parece comigo pai. - Disse rindo. - Tem um sorriso singelo.
O Pai riu:
- Vou apresentar a árvore para eles, em breve chega a hora. - Lucy consentiu.
Ao entardecer daquele dia de amor, o Pai se aproximou e ditou a única regra daquele lugar, algo que Lucy inicialmente não entendeu, mas apenas assistiu seu pai tomando as decisões:
- Podem fazer o que quiserem aqui, criar, correr, pular e comer, tudo, apenas aquela árvore é proibida, não podem comer daquele fruto. - Disse sério, o homem e seu companheiro consentiram.
E por um tempo cumpriram:
- Eles não vão comer pai... - Disse após algum tempo.
- O homem não percebe as pequenas coisas, os detalhes, se depender dele não comerão talvez... Mas ela é graciosa, quero que fale com ela, quero que dê um nome a essa criação por mim e ajude-a a tomar a decisão correta. - Ordenou o Pai a Lucy, que consentiu sem questionar, amou a ideia de interferir, eles não haviam visto-a até então.
Enquanto o homem cozinhava ervas e cogumelos, a companheira vagava sozinha pela fazenda, dando nome as flores e árvores distintas, até se aproximar do monte mais alto onde Lucy se encontrava com o fruto em mãos:
- Eu conheço você? - Perguntou o companheiro a Lucy. - Nunca vi este animal aqui.
Lucy franziu a testa, percebeu que para a companheira, Lucy tinha uma forma diferente:
- O pai de vocês deixou vocês comerem de todas as frutas, por que não comem desta? - Perguntou Lucy.
Ela deu de ombros:
- Desta não podemos comer, nem ao menos tocar, talvez para não morrermos. - Disse inocente.
Lucy sorriu:
- Com certeza não irá morrer... Quando comer deste fruto será assim como seu pai, e conhecerá tudo. - Disse Lucy estendendo o fruto vermelho e branco para ela.
Ela pegou nas mãos e olhou de volta para Lucy:
- Te chamarei de serpente, linda e astuta. - Disse.
- E eu te chamarei de mulher, forte e livre. - Respondeu Lucy.
E a mulher mordeu o fruto.