Echoes - Prólogo e Capítulo 1

Prólogo

Ela riu maliciosamente pra mim, eu não fazia ideia do que estava por vim mas de alguma maneira ela parecia conhecer até a ferida mais profunda com aquela troca de olhares.

Antes de desaparecermos no vapor circular, pude sentir a boca dela tocando a minha, em meio a berros o turbilhão se formava, eu tocava todos os ecos da nossa existência.

As cores se misturaram, eu seria capaz de fazer isso? Eu iria contra tudo e todos por aquele momento, eu me transformava em algo a mais, por nós.

"Nunca diremos tchau."

Sorrimos.

...

Capítulo 1 - Doppelganger.

Acordei com os olhos fundos e a cabeça ainda doendo, noite passada havia exagerado, "nunca mais bebo" prometi a mim mesmo em vão.

O apartamento estava de cabeça pra baixo, meus colegas assim como eu não tinham como traço forte a organização, me arrumei rápido, escovei os dentes, passei as mãos no cabelo e peguei a bicicleta para a faculdade.

Meu celular tocou, era meu melhor amigo Leonardo:

- Meu fiquei sabendo que você encontrou a Lívia meu deus o que aconteceu? - Berrava ele do outro lado da linha. - Melhor do que isso fiquei sabendo que vocês conversaram horas e beberam e que você ficou muito louco!

Torci o rosto, como ele já estava sabendo? Não era o tipo de coisa que eu contaria, eu conhecia Lívia há algum tempo, mas nunca havíamos conversado dessa forma, e foi realmente incrível:

- Leo, pelo amor de deus! Eu to a caminho já, falamos quando eu chegar. - Leo era da minha turma, estávamos juntos há quatro anos, sentávamos juntos, nos tornamos bons amigos.

Eu morava numa república bem perto da faculdade, estava prestes a terminar o curso, no momento pedalava para uma das melhores aulas da minha vida.

Deixei a bicicleta na mesma vaga de sempre, o céu estava nublado e prestes a começar a anoitecer, corri corredores a dentro rumo a minha sala:

- Ei! - Gritou Leo da área de alimentação, da qual eu passaria rápido e despercebido se não fosse pelo sagaz Leo. - Pode vim pra cá!

- Eu preciso ver a aula do Paulo! - Gritei de volta, ele estava sentado na mesa em frente ao "Rei do pão de queijo", o melhor pão de queijo do campus.

- Não é como se ele fosse morrer hoje... Por mais velho que ele seja! - Gritou Leo de volta, eu balancei a cabeça forte e continuei correndo pelo corredor rumo a aula.

Subi três lances de escada num pulo, virei a direita e corri por cem metros, minha sala estava com a porta aberta ainda, o que era um bom sinal:

- Não achei que apareceria. - Uma voz me recepcionou em frente a sala.

Ela era ligeiramente mais baixa, usava um brinco de apanhador de sonho com uma pena azul na ponta, os cabelos castanhos jogados de lado, aquele par de olhos grandes me encarando:

- Lívia! - Disse alto demais. - Também não imaginei que você apareceria aqui!

Ela riu:

- Pensei em passar para desejar boa sorte, ouvi uns boatos desse professor... - Disse meiga. - E de qualquer forma meu prédio é aqui do lado.

Ri de volta:

- Também ouvi esses boatos, talvez hoje seja concretizado. - Respondi de volta sem jeito. - Podemos nos ver depois da aula... Se você quiser claro!

Ela sorriu, deixando mostrar um pouco do que parecia se esforçar para esconder:

- Podemos sim.

Virou as costas e acenou, sempre com muitas pastas nas mãos, ela estudava Letras e se esforçava para saber o máximo de idiomas possíveis, era fluente em diversos e estimava o dobro pelo menos, estremecia só de pensar em estudar tudo isso.

Eu fazia mais o tipo curioso, eu ia até onde minha curiosidade mandava, difícil ir além disso:

- Vamos entrar? Ou vai encarar a mocinha até ela ir a sala dela? - Disse professor Paulo nas minhas costas, com aquela voz grave e séria, colocou a mão esquerda sobre meu ombro, estava vestindo luvas brancas como de costume, dizia que tinha alergia a giz de cera.

Ri sem graça e entrei na sala, tomei meu lugar de costume e larguei a mochila no chão.

Paulo vestia um terno marrom, desabotoado, era o professor mais velho do campus inteiro, e talvez o mais respeitado também, já havia lecionado em diversos países, era livre docente na universidade, o que significava que qualquer palavra que ele falasse deveria ser anotada.

Ajeitou os cabelos brancos, sentou e esperou a sala ficar em silêncio, jogou o braço direito para a frente a ponto da manga do terno dar uma recuada e olhou rápido para o relógio, um relógio marrom como o restante do visual, bem antiquado.

A sala parecia um velório, apenas o som da respiração e o anseio pelo conhecimento zanzavam por ali, eu sorri e me preparei para mais uma aula dele:

- Como alguns de vocês já estão cientes e eu sei que estão, os boatos são verdadeiros. - Começou o professor colocando uma pasta sobre a mesa e abrindo-a. - Eu faço isso há muitos anos, e é completamente irrelevante para a faculdade em si, mas não quero perder o hábito.

"É agora!", ouvi murmúrios de excitação. O professor estava certo, já havia ouvido boatos sobre isso, vou explicar brevemente.

Basicamente o professor Paulo Luiz de Fonseca fazia isso em todos os cursos em que lecionava, em todos seus anos lecionando, o famoso T.C.E.

Normalmente os estudantes normais de graduação teriam e a essa altura já haviam realizado o corriqueiro T.C.C (Trabalho de Conclusão de Curso), porém o professor Paulo passava seu próprio T.C.C, e chamava de T.C.E (Trabalho de Conclusão e Especialização), dizia ele que cobrava o que era necessário de um verdadeiro acadêmico, e que quem tivesse uma performasse aceitável ganharia uma bolsa de estudos para o mestrado e doutorado, incluindo viagens e moradia, um sonho para qualquer estudante, mas havia um porém:

- Tsc, isso é balela. - Disse um aluno baixinho atrás de mim. - Ouvi dizer que o velhaco nunca aprovou nenhum aluno.

De fato também havia ouvido esse boato, o T.C.E do Paulo já tinha mais de quinze anos e nenhum aluno havia sido aprovado, o que tornava para alguns um desafio imensurável, e para outros total perda de tempo:

- Esse é o T.C.E para a turma 174 de História, ou seja, vocês. - O professor largou na mesa uma pilha de papéis. - Isso é completamente aparte da faculdade, não necessitando seguir nenhuma norma para responder essa questão, também não é uma atividade obrigatório obviamente.

O professor Paulo dizia isso pois sabia que todos iriam aderir o trabalho, talvez nem apenas pelo prêmio em si, mas sim para obter o prestígio que ser aceito pelo professor Paulo, todos amavam ele, incluindo o corpo docente inteiro, era sem dúvida o professor mais inteligente e querido de todos:

- Ouvimos dizer que você nunca deu uma nota maior que zero professor. - Disse uma guria após levantar a mão.

O professor sorriu, passando as mãos enluvadas no rosto:

- Espero que seja um de vocês. - Dizendo isso sentou-se e apontou para os papéis.

Todos levantaram um por um, pegando a folha e saindo da sala após instruções do professor, até chegar minha vez na fileira, levantei e engoli seco, me dirigi a mesa do professor e ele disse gentil:

- Thomas, espero que se esforce. - Disse entregando uma folha para mim, sorri sem graça. - Pode sair agora, a aula acabou.

Me coloquei a andar, dobrei a folha nas mãos, leria apenas quando chegasse em casa.

No começo do curso, quando a sala ainda tinha seus duzentos alunos, eu amava a aula do professor Paulo, ele era incrível e inspirador, com o passar do tempo as relações foram se estreitando, a sala foi diminuindo e o professor sabia agora quem era quem, e bom, eu era um aluno detestável, o que fez minha relação com o professor ser uma merda:

- Mas também você falta em todas as aulas praticamente, os professores devem falar disso com o Paulo! - Dizia Leo toda vez que eu questionava o tratamento especial que Paulo dava para mim, e especial de uma maneira ruim.

Fato era que eu não era especial como pensava, e Paulo deixava isso claro, cobrando de todos uma postura impecável.

Nos corredores o assunto era um só, uns diziam que seria fácil pois já haviam pensado na proposta que o professor deu, outros diziam que não esperava que o tal T.C.E fosse apenas uma redação.

Leo veio e passou por eles, entrou na sala e minutos depois saiu com o T.C.E dele em mãos:

- É obvio que não é só a redação, vocês não entendem? - Questionou Leo para a turma. - Ele está nos avaliando desde o momento que botou os olhos em nós... Ele e aquelas luvas brancas que me arrepiam.

Arregalei os olhos, era genial:

- Nesse caso eu serei o primeiro aluno. - Continuou Leo. - Eu tive uma postura perfeita desde que pensei nisso, desde que li que ele seria nosso professor, eu preciso dessa bolsa e do prestígio.

Certamente Leo era o melhor aluno, o mais apto para isso.

Mas não era isso que Paulo Luiz de Fonseca queria:

- É idiota, estúpido e não tem nada a ver com nosso curso. - Vociferava outro aluno do curso. - Pensei ter ouvido que ele adaptava o tema a cada curso, eu curso história não cabe a mim fazer suposições.

Passei por tudo isso sem abrir a folha, aguentei firme até de noite.

Leo percebeu que eu saia de fininho e me acompanhou:

- Me conta, você e a Lívia então? - Disse sorrindo como quem perguntasse outra coisa nas entrelinhas.

Dei de ombros:

- Não sei Leo, ela é muito mais interessante do que eu... Eu sou só... Eu... - Disse sincero.

- Tom, você pode ter apelido de cachorro, mas você é um cara legal. - Disse Leo rindo. - Claro que ela curtiu você, eu nunca vi essa mina dando bola pra ninguém!

Eu sorri só de pensar na hipótese:

- Vou encontrar com ela daqui a pouco. - Disse para Leo, que abriu a boca exageradamente.

- Eu sabia! Ta ai dando uma de modesto, seu cretino! - Gritou no corredor projetando um eco.

Descemos para o pátio principal do campus, estava lotado, as pessoas formavam filas para comer nas lanchonetes, era gente demais:

- E ai você vai comer alguma coisa? - Perguntou sem realmente esperar uma resposta concreta.

- Não sei... - Disse tão desinteressado quanto ele, procurando por Lívia. - Vou dar uma volta sozinho.

Disse saindo de perto de Leo, e se enfiando na multidão, olhando de todos os lados, primeiro para o Rei do Pão de Queijo, e nada, depois para a hamburgueria do Rinoceronte, nada dela, lembro dela ter dito que tentava virar vegetariana a alguns anos, talvez ela esteja no outro pátio.

As alas de alimentação era dividas por gostos, a primeira ala era a mais cheia, "Junk Food", pastéis, coxinhas, hamburgueres e pao de queijo, todo tipo de coisa gostosa, era a mais perto do meu campus, que englobava os cursos de História, Filosofia, Sociologia e Letras, depois próximo ao Campus de matérias de exatas (Onde pasmem o professor Paulo também lecionava) tem a ala de Jantar, comida de "verdade" e etc, e no fundo próximo as quadras tem uma ala apenas com comidas veganas, talvez Lívia estivesse por ali.

Já era noite, e uma noite fria, eu me apertei contra o moletom e olhei pelo campus de Ciências Humanas inteiro, depois fui próximo a ala de Jantar e olhei o campus de Exatas, estava quase que igualmente cheio ao primeiro campus, e nada da Lívia, mas foi ali que eu vi algo que iria me perturbar por algum tempo.

Passando no meio da multidão apressado, uma figura com uma blusa de moletom preta, vestia capuz e parecia afobado. O que me espantou não foi ele atravessar a ala de janta daquela forma, chamando a atenção de todos, correndo entre as mesas, e sim que ele era extremamente parecido comigo.

Fiquei ali um tempo parado olhando a figura correr de mesa em mesa, olhando ligeiramente para trás como se fugisse de alguém, passou rápido e sumiu no meio da multidão na entrada do campus de Exatas.

Com o braço todo arrepiado comecei a andar, queria me certificar de quem era aquele cara, mas fui interrompido pelo que estava procurando anteriormente:

- Nossa Tom, você parece pálido, ta tudo bem? - Lívia estava com mais duas amigas, comendo um sanduíche vegano.

Eu lambi os lábios que estavam secos, umedeci a gargante e disse:

- Acho que acabei de ver meu Doppelganger.

Pedro Kakaz
Enviado por Pedro Kakaz em 24/08/2016
Reeditado em 30/08/2016
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