Se você olhar bem de perto...

Deparei-me certa de manhã de sábado com meu amigo Y., no Clube dos Exploradores. Ele confidenciou-me uma ideia que o andava obsedando nos últimos tempos, e que me pareceu, à primeira vista, algo... lunática.

- Então, você julga que, na verdade, cada átomo que compõe a matéria, é um sistema solar em miniatura?

- Não lhe parece óbvio? - Respondeu-me em tom apaixonado. - Desde que comecei a ler sobre as teorias de organização da matéria, os estudos de J.J. Thomson, e, mais recentemente de Rutherford, fiquei convencido de que vivemos em um universo composto de múltiplas camadas, em que o que está acima, é reproduzido no que está abaixo, variando somente na ordem de grandeza...

- "Quod est inferius est sicut quod est superius, et quod est superius est sicut quod est inferius, ad perpetranda miracula rei unius" - recitei.

- Como disse?

- É da Tábua de Esmeralda, de Hermes Trimegisto... o texto-base da alquimia. "O que está embaixo é como o que está em cima e o que está em cima é como o que está embaixo, para realizar os milagres de uma única coisa."

- Mas ora... eu aqui falando de ciência e você me vem com alquimia! - Riu-se ele.

- A partir do momento em que começamos a falar de sistemas planetários em átomos, dá tudo no mesmo - retruquei.

* * *

Alguns meses se passaram depois desta conversa, e num belo dia, enquanto lia o jornal dominical no Clube, Y. entrou no salão de leitura e apressou-se a me confidenciar as novas.

- Lembra daquela ideia que julgou bizarra?

- A dos sistemas solares em átomos?

- Exatamente! Mas também refleti sobre o que me disse... a Tábua de Esmeralda e tudo mais... enfim, fiz uma grande descoberta, algo que irá mudar para sempre nossa compreensão não só sobre a matéria, mas sobre o universo que nos cerca!

A conjetura de Y. havia evoluído para uma Teoria de Tudo - e, pelo visto, eu tivera participação involuntária no processo, por conta do meu comentário despretensioso sobre Hermes Trimegisto. Agora, não eram somente sistemas planetários em átomos, mas universos capazes de evoluir. Evoluir como? Através do processo alquímico!

- Imagine se pudéssemos refinar as propriedades não somente de um indivíduo, como pretendia a alquimia, mas de todo o universo!

Ponderei que a alquimia jamais chegara a resultados conclusivos... e ninguém, que eu soubesse, obtivera a mítica pedra filosofal.

- Parece-me perigoso querer brincar de Deus - adverti-o. - As consequências poderiam ser funestas.

Y. apenas sorriu em resposta, como se a ideia o divertisse.

* * *

Na última vez em que o vi no Clube, Y. contou-me que pusera em ação o mecanismo que, ao fim de um tempo determinado, iniciaria o ciclo de evolução do universo para um novo e superior estágio: o equivalente alquímico da pedra filosofal.

- Com tudo o que nele existe hoje? - Indaguei, cético.

- Com tudo o que nele existe hoje, transmutado para algo melhor - asseverou ele.

O único problema, como eu bem o sabia, é que essas transformações na alquimia implicam geralmente em morte antes do renascimento. Ele minimizou o fato.

- Oh, o mundo passará por grandes mudanças... mas o resultado será amplamente compensador; para os sobreviventes, claro.

O primeiro estágio, denominado "Nigredo", implicaria em dissolução e putrefação da matéria, associado com o aumento do calor a nível global.

- E quanto tempo para atingirmos este estágio? - Perguntei.

- Não estaremos mais vivos para vê-lo - tranquilizou-me. - Pelos meus cálculos, o Nigredo só atingirá plena força daqui à 100 anos.

- Minhas condolências aos habitantes de 2017 - retruquei.

E voltei à leitura do meu jornal.

- [27-09-2017]