Próxima Parada: Estação Esperança

Ele começava a achar que tinha pegado o ônibus errado; tudo parecia estranho; ele nunca tinha visto nenhuma daquelas pessoas; eram todas de um tipo peculiar: pareciam vestir a mesma roupa, cortar o cabelo no mesmo cabeleireiro e todas tinham aquele mesmo olhar objetivo – elas sabiam aonde estavam indo.

— Próxima parada: Estação Esperança – dizia, em alto e bom som, para que todos pudessem ouvir, aquela mesma voz que todas as manhãs dizia as mesmas coisas. Mas ela nunca tinha anunciado a estação Esperança. Isso só reforçava a idéia de que ele estava no ônibus errado.

— Você poderá fazer as seguintes conexões – continuou a moça no alto falante; ele se perguntou aonde estava indo e o que lhe esperava na estação Esperança.

— Bom dia! – uma mulher simpática, um pouco mais velha que ele, sentara-se de seu lado. Ele nada respondeu; na verdade, não sabia o que dizer; talvez, dizer um bom-dia frio, só pra poder dizer que disse alguma coisa, não seria a melhor saída. Mas a mulher tinha um sorriso contagiante, seria difícil permanecer indiferente. Ele sorriu.

Ela, sorrindo, afastou a cabeça e olhou bem pra ele, examinando sua expressão.

— Você não é daqui – disse ela erguendo o indicador – você também pegou o ônibus errado.

Ele a fitou por uns instantes, incrédulo. Não seria possível que ela conhecesse todos os passageiros, deve ter sido só um palpite – ele devia ter feito cara de confuso ou assustado na hora que ouviu o nom da próxima estação.

— Acontece – ela vira que ele não ia dizer nada.

Por um momento ela ficou em silencio. Olhava pra frente com um olhar sonhador; um sorriso sereno se esboçava em seu rosto. Ela era bonita.

— É... – começou ele meio sem jeito. Ela se virou rapidamente e lhe olhava agora bem nos olhos. Ele achava que era a vez dele de dizer alguma coisa. – Isso só vai me fazer chegar atrasado.

— Que nada! – Disse ela mexendo a mão no ar como se tentasse bater numa mosca invisível. – Hoje você tem tempo.

Sem saber o que fazer, ele concordou com a cabeça e olhou pela janela, mas sem prestar atenção no que via; ele remoia o que ela acabara de dizer. Na fala dela, parecia tão obvio, tão verdadeiro: hoje ele tinha tempo – embora nem ele tivesse tanta certeza. E ecoava na sua cabeça a maneira com que ela acentuara a palavra hoje.

— Esperança é longe? – Ele estava perguntando qualquer coisa, despretensiosamente; queria impedir uma possível introspectiva dissertação paranóica.

— Pra você acho que não. – Como o ponto de interrogação continuou em sua expressão, ela acrescentou: A maioria desse povo desce antes.

— Mas esperança não é a próxima parada? – Ele não sabia se estava acreditando no que ela dizia, mas pensava consigo mesmo que era só uma conversa fiada de ônibus – não precisa necessariamente chegar a algum lugar.

— É pra ser. É o que todos planejam; é o que almejam. Mas o ônibus pára e todos descem antes.

Ele se perguntou quais seriam as conexões possíveis em Esperança; a estranha desviara toda sua atenção.

— Aquele moço, por exemplo. – Ela apontava pra um rapaz de uns vinte e poucos anos que estava vestido de caubói. Com uma mão segurava-se na barra e com a outra apertava um enorme chapéu de couro sobre o peito. – Aquele, infelizmente, desce logo.

Ele não tinha vista o caubói ali antes, e agora se perguntava como ela sabia com tanta certeza suas intenções.

— Aquele rapaz – havia uma expressão maternal no rosto dela enquanto ela falava – procura emoções, aventura. Um cavalo, um revólver e índios com quem lutar.

Ele ria. Custava acreditar nas palavras da menina, mas ele sabia que faziam sentido.

— Tem também aquele cara com a roupa de astronauta. – Disse ela apontando para um rapaz bem próximo da porta que parecia não estar ali antes. – É triste saber que eles já vão descer. Quando chegarmos em Esperança, não vai ter mais que cinco pessoas além de nós.

Ele pensou um pouco. Prestou melhor atenção nas pessoas.

— E aquela ali? – disse ele apontando pra uma mulher com um macacão de corrida eu capacete na mão

— Ela estava sentada; acabou de se levantar. Logo desce também.

O ônibus tinha parado num sinaleiro. Ele olhou pela janela e viu que todos os carros eram iguais e as pessoas na calçada caminhavam no mesmo ritmo. O sol que tinha acabado de nascer ainda estava tímido e as pessoas, apesar de agasalhadas e encolhidas, esboçavam um sorriso na cara.

Olhando de volta pras pessoas no ônibus, ele reparou que o homem vestido de astronauta não estava mais lá. Na cara da moça ao seu lado, a expressão de quem diz “o que podemos fazer?”.

— A maioria das pessoas acaba pegando esse ônibus uma hora ou outra. – Ela prestava atenção nas pessoas ao redor enquanto falava. – E, da mesma maneira, quase sem querer, eles acabam descendo, antes da hora.

— E por quê? – ainda cético quanto a o que quer que ela dissesse, ele tentava achar um sentido em tudo. – É tão difícil pra eles irem até o fim?

— É. Certamente é. – Respondeu ela em tom desapontado. – Vai chegar a hora de sua provação – talvez seja diferente para cada um, mas haverá um momento em que você será tentado a descer.

Mas era o que ele queria. Ele não quis ser indelicado e dizer isso pra ela, mas não era sua intenção ira à tal Estação Esperança.

— Não era bem isso o que queríamos ter pra dizer... – ela continuava falando, mas ele já não estava mais prestando atenção. O ônibus parara na estação, ele apertou os ouvidos, a mulher do alto falante anunciava Estação Central.

— Tenha um bom dia! – Ele tinha se levantado, tinha chegado a seu destino.

Ela ficou sentada e com um olhar sonhador ela encarava a porta por onde ele saiu.

willian pinheiro
Enviado por willian pinheiro em 17/03/2008
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