As Gêmeas

Miguel Carqueija


PERSONAGENS:
PATRÍCIA - sextetos ímpares
ANA PAULA - sextetos pares






Maninha, é livre a tarde,
então vamos ao cinema?
Faz tempo nós não saímos.
Vamos então sem alarde,
escolhemos um bom tema
e um filme que nós não vimos!
 
Menina, hoje não dá:
não te lembras que eu falei
do homem que eu conheci?
Hoje ele me esperará
pra noite que eu sonhei
e que ainda não vivi!


 
Estás assim saltitante,
só por teres compromisso?
Tu és uma cabeça oca!
Esse rapaz tão galante
não te falou dele "isso"
e já te beijou na boca!
 
Peço, não sejas careta
pois nas nuvens eu estou,
meu peito cheio de ardor!
Não se trata de veneta,
pois a convite hoje eu vou
pra uma noite de amor!
 
Não sabes o endereço,
nem sequer o sobrenome,
não conheces a família;
e isso é só o começo,
o tipo já vem com fome
e está me botando pilha!
 
Só sei o primeiro nome,
mas também não perguntei,
nem se mora em apartamento;
depois vejo o sobrenome,
mas eu de fato o amei
desde o primeiro momento!



 

Querida, tens que lembrar
que não existe o Cupido;
onde vai ser afinal
a noite que vais passar
com esse cara tão sabido,
que pensas vai ser legal?
 
Maninha, tu não entendes?
É com a mãe que ele mora!
Na casa dele eu não vou,
pois o que é que tu pretendes?
Ainda não chegou a hora
nem meu espírito ousou!
  
Na casa dele não é
e até entendo a razão,
mas isso causa temor.
Posso ser uma chata até
mas sou tua gêmea, então
conta pra mim, por favor!


 
Puxa, maninha, deveras,
por que estás tão zangada?
ele é doce como mel!
Tu não vens das outras eras,
deves estar informada,
pois nós vamos pro motel!



Tu mal conheces o cara
e já vais para o motel?
É sempre bom ser prudente!
A coisa não está bem clara,
motel não é lua-de-mel,
não deves seguir em frente!
 
Mas ele é gente tão fina
que me deixou encantada,
é cortês e cavalheiro;
o conheci na cantina
do clube, tinha balada,
meu amor é verdadeiro!


 
Mas dele não sabes nada,
sobrenome e endereço;
estás te precipitando!
Ficaste baratinada,
tua honra não tem preço,
no ar estás flutuando!
 
Minha irmã, estás querendo
de mim seres a mãezona?
Ele tem educação!
Precisavas estar vendo,
pôs-me na boca a azeitona
e uma rosa na mão!  



Mas se ele não vem aqui
e em casa dele não vais
onde é que vão se encontrar?
Não tens boca de siri
e eu fico aflita demais,
tens que me tranquilizar. 
 
 
É em frente ao restaurante
na praça da igrejinha,
o motel é ali pertinho;
nós comemos num instante;
mas não me sigas, maninha,
não flagres nosso beijinho!
 
Não te seguirei, prometo,
porque não sou fofoqueira;
mas prefiro que não vás!
Tudo isso é um espeto,
estás fazendo besteira,
depois te arrependerás!
 
Ainda estás insistindo?
Ficaste muito careta!
Tu és tão desconfiada...
Desculpa, mas já vou indo,
me beija e não  sê xereta,
não quero ir amuada!
 
O teu novo namorado
a meu ver é uma cilada,
muito dá pra suspeitar!
Pra ficar tudo aclarado
te deixarei amarrada
e vou lá em teu lugar!
 
Maninha, mas que doideira,
vais até me amordaçar?
Mas que bicho te mordeu?
Me prendeste na cadeira,
ao menos deixa eu ficar
com a rosa que ele me deu!



Deixo em teu colo então,
que os pontos eu vou ligar,
a verdade buscarei:
enquanto tens ilusão
espera aqui a sonhar
mas despertarás, eu sei!
 
Sou pequena vagalume
que vive mesmo a sonhar
e tu és bastante crua;
mas se for pra me dar lume
vais a verdade buscar,
mesmo a verdade bem nua! 
 
Até mais, reza por mim,
espero não demorar,
vou tirar tudinho a limpo:
esse é meu jeito enfim,
se o negócio é investigar
sei fazer um bom garimpo! 


Isso é loucura demais,
tu vais bancar que sou eu,
não temes dar um vexame?
Eu sei que somos iguais
mas afinal não és eu,
será que passas no exame?
 
Isso é problema só meu,
pois sou atriz sabes bem,
sei muito bem te imitar;
portanto quem vai sou eu,
fica quietinha meu bem
que é pra mordaça eu botar!

A mana pôs a colher,

mostrou ser tão corajosa,
nunca pude imaginar!
Ela é uma grande mulher
mas fico triste e chorosa,
e levou-me o celular!
 
E lá vou no elevador,
fico com pena, tadinha,
mas cumpro com o meu dever;
pois eu tenho um grande amor
pela querida maninha,
e ela vai me agradecer!

Eu aqui fico pensando
na diferença de cena,
que esta vida é uma charada:
podia estar namorando
ou ter ido no cinema,
em vez disso estou amarrada!

Afinal na rua estou,
vou cumprir minha missão
e irei até o fim;
ele a mana perturbou,
sei que é um espertalhão,
mas isso não fica assim!

 
Cansei de ficar à toa
presa há horas nesses nós;
tô com sono e sem ação...
a mana me fez da boa
mas sabem, cá entre nós...
acho que ela tem razão. 


 

Cheguei, já vou te soltar
e venho muito feliz,
e dando graças ao Céu:
sei que vais me perdoar
pela peça que eu te fiz,
trago provas a granel!

Que bom chegaste, maninha,
me solta, vou no banheiro,
prometo bem rapidinha;
depois me conta, irmãzinha,
quero tudo verdadeiro,
fiquei muito intrigadinha!

Vem cá, vou massagear
teu pulso e teu tornozelo,
coitada, te fiz sofrer;
mas foi pra te alertar,
perdoa pelo meu zelo,
tudo vou te esclarecer!

Então é mesmo verdade
que ele estava me enrolando,
mentindo para valer?
Desse eu não vou ter saudade
e nem vou ficar chorando
tristinha a mais não poder! 
 

Fazes muito bem, maninha
pois tudo o que ele queria
era abusar de você;
o cara é um almofadinha
que explora a mãe e a tia,
tem nome no SPC! 
 
Maninha, eu te agradeço
por tua dedicação:
tu touxeste a mim a cura;
demonstraste muito apreço,
me amarraste pé e mão
e foste ver a figura!

Maninha, sabes que eu faço
de tudo para o teu bem
e faço de coração;
livrei-te de um embaraço,
pois eu sou mulher também,
salvei-te desta paixão!
 
Nunca pude imaginar
que pessoa tão gentil
pudesse ser um canalha;
ele soube me enganar,
mas que sujeitinho vil,
e tem tantos dessa igualha!

Tem muito homem malvado
e que gosta de mentir
pra iludir a garota;
pois o fraque era emprestado,
e a grande herança por vir
era mentira bem rota!


 

E esse homem me beijou
e tanto me garantiu
e seu carro era bacana;
interesseira não sou
mas possuo orgulho, viu;
não gosto de quem me engana! 
 
Minha univitelina,
tolinha não deves ser;
não vás em papo furado!
Ser ingênua é uma sina,
tu precisas aprender,
e o tal carro era alugado!
 
Me levou no restaurante
e deixou gorda gorjeta;
falava com voz de mel;
tinha dinheiro bastante,
no entanto tudo era peta,
e chamou-me pro motel!

 
É isso que ele queria,
e ia ser essa noite;
ias cair no alçapão!
Salvei-te bem de uma fria,
tu merecias açoite,
e o dinheiro era do irmão! 
 
 Maninha, eu peço perdão
por ter sido descuidada
e acreditar no engano;
não fui ver o tal ladrão
só por ter sido amarrada,
eu ia entrar pelo cano!




Nosso priminho do banco
já tudo me forneceu,
o cara é um vigarista;
tu te livraste de um tranco
pois ao encontro fui eu
conhecer o tal artista!
 
Que esperta que tu és,
não te deixas enganar,
tua inteligência é mil;
és a mulher nota dez,
eu quero a ti imitar,
sou tua fanzoca, viu!



Tu não tens culpa de nada,
tais tipos são atraentes:
a mulher é que é uma tola!
És bonita como fada
e muita emoção tu sentes
com inocência de rola!
 
É de custar tanto a crer
toda essa canalhice
saber que ele é casado,
complicado pra valer;
como tive essa burrice
de acreditar num tarado?
 
Mas eles são mestres nisso,
transformam vinagre em mel,
convencem sem mostrar prova!
Mas comigo não tem disso,
levou-me para o motel
e lá eu dei-lhe uma sova!
  
Ah eu fico aqui pensando,
minha irmã, tu és genial,
maninha melhor não há:
a cena tô imaginando,
mandaste-o pro hospital,
que ele não esquecerá!

Maninha, sabes, te amo,
por ti eu viro uma fera
não importa o que aconteça;
de ti eu nada reclamo,
só peço, com calma espera
um homem que te mereça!
 
És mana tão boazinha
que a quem eu venha a contar
provavelmente nem crê;
já fui bem castigadinha,
e agora pra relaxar
vamos comer o pavê!


Um pavê? Tu tá brincando,
uma “pizza” é melhor,
não vês que é de madrugada?
Minha pança tá roncando,
tu deves estar pior,
pois não se come amarrada!
 
Maninha, tu bem mereces
teu estômago forrar,
vou até fritar um ovo!
E agora não esqueces:
se eu outra vez aprontar
podes me amarrar de novo!


 
 
(19 a 22/3/2017)
 




 
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NOTA: este texto foi inicialmente concebido para ser uma das poesias-dedicatórias da série dedicada à Mulher em suas diversas profissões, atividades, atributos e predicados; mas atingiu tal proporção que assumiu o carater de cordel, inclusive por constar de sextetos dialogados. Mas embora esteja na classificação de cordel (o primeiro que escrevo) peço que considerem também um poema-dedicatória, em homenagem a todas as gêmeas.