O Natal

O Natal tem marcado muito a minha caminhada. Devia ser 1940. Eu acordei e passei a mão debaixo da cama e peguei uma bola de bom tamanho que era verde e a metade era vermelha. O perfume daquela bola, que eu abracei, era tão forte que até hoje, quando chega o Natal, eu ainda o sinto.

Era véspera de Natal, de 1947. Eu atendia às mesas do bar onde trabalhava, quando notei uma senhora sentada numa das mesas. Ela era muito bonita. Eu fui atendê-la, e notei que estava chorando. Ai, com a minha experiência de 13 anos de idade, convidei-a a mudar para uma mesa num lugar mais discreto, e lhe disse;

“Hoje não é dia de tristezas”. E ela me respondeu:

“O meu marido saiu para empenhar a minha última joia. Eu sai de casa por que os meus pais não queriam o meu casamento com o Otávio, que é um moço muito bom, mas que ficou doente. Estou grávida..”

Então eu lhe disse:

“Volte para a casa de seus pais, a senhora que está grávida, será muito bem recebida. Você será o presente de Natal para seus pais..”

Eram 22:30 e eu ainda lhe disse: “Até às 22:50 tem trens para São Paulo. Se o Otávio não arranjou nada, eu mesmo pego de minhas gorjetas, ganha dos fregueses, vocês compram as passagens e boa viagem..”

Nesse momento o Otávio chegou. Havia conseguido empenhar a joia. A jovem senhora veio até mim e disse:

“Nós vamos seguir o seu conselho”. Abraçou-me emocionada e disse ainda: ”você foi a resposta às minhas preces. Um dia você saberá quem te enviou para nós.” O nome da Senhora era Valquíria.

No ano de 1948, ainda trabalhando no mesmo estabelecimento, eu estava lavando umas janelas. Era um sábado. Observei um carro parando em frente ao Bar. Desceu um casal com um recém-nascido nos braços. Ai eu percebi que eram Valquíria e Otávio. Eles me abraçaram e me disseram: “ O seu conselho foi a melhor coisa que tinha acontecido. Em São Paulo os meus pais ficaram muito contentes com a nossa volta e fizeram muita festa para nós. Hoje o Otávio ajuda o meu pai na direção da fábrica dele, e todos estamos felizes. Ai eu percebi como a felicidade faz bem”.

Em outro Natal, quando eu já era maquinista da Cia Mogiana de Estradas de Ferro, e voltava de Ribeirão Preto, cansado e frustrado por não poder passar o Natal com a Lucy e o Luciano, e já eram 15:30 do dia de Natal, eu vinha muito triste, pelos meus planos não terem dado certo. Quando passei pelos armazéns da ferrovia, onde normalmente dormem indigentes eu notei que o local estava deserto. Entretanto, em determinado momento eu escutei uma voz que me falou assim:

“Meu Filho, onde você vai assim tão revoltado?”. Voltei-me e notei um senhor de uma idade indefinida, com roupas limpas e olhos azuis. E ele me disse ainda:

“Olha, tudo o que você enxerga é o meu Mundo. E sou feliz, posso ir onde eu quiser, pois tudo o que é meu eu reparto com os outros. Não tenho dívidas por que não tenho compromissos. E amo a todos, indistintamente”.

Foi ai que notei que eu não podia sustentar um olhar para ele. E pondo a mão no meu ombro ele me disse: “Vá Feliz para casa que a tua família o está esperando”.

Quando ele se afastou de mim eu notei que o cansaço tinha desaparecido. O meu humor havia mudado. Estava alegre. Eu era um outro homem. Juro que eu não tinha coragem de olhar para trás, pois talvez aquela criatura não mais estivesse ali.

Coisas do Natal.

Laércio
Enviado por Laércio em 26/12/2016
Reeditado em 26/12/2016
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