Catorze anos

Oito de agosto de 2008. Essa é uma data muito especial para a minha casa e para mim. Há catorze anos atrás, em um dia de domingo, Lourdes (minha esposa), Fernando (meu filho mais velho) e eu entregamos nossas vidas a Jesus. Foi realmente a decisão mais importante que tomamos durante toda a nossa vida.

Desde criança que ouvi falar de Deus, de Jesus e do Espírito Santo. Mas, somente quando completei dezoito anos, quando morava em Goiânia, Goiás e fui passar as férias escolares na casa de minha mãe, Maria Resplandes, na região do rio Areia, no município de Rondonópolis, MT, pude ler a Bíblia pela primeira vez. Nem me lembro se eu sabia até então o que era uma Bíblia. Eu conhecia o Catecismo, mas não me recordo da Bíblia. Foi ali, então, na casa de minha mãe, em companhia dela, seu Erasmo (marido de minha mãe), Vildacy e Enivaldo (meus irmãos), que eu tive o primeiro contato com a Bíblia. Eu a li como se lê um livro qualquer. Não achei a leitura tão interessante assim, mas li bastante. Alguns dias, à noite, havia cultos naquela comunidade rural, realizados pelos irmãos da Igreja Assembléia de Deus. Assisti vários desses cultos. Gostava, principalmente, de ouvir e cantar os hinos. Mas a mensagem do Evangelho não alcançou a minha alma. Já naquela época eu era um fumante. Para não fumar na presença da minha mãe, eu saía para longe da casa, pelo meio dos pastos, na beira do rio Areia, onde fumava aparentemente “escondido”. Sim, porque acho difícil o fumante ocultar que fuma, dado o cheiro forte do cigarro que fica impregnado na pessoa. Isso foi em julho de 1976.

Em fevereiro de 1977, junto com o meu irmão Antônio Resplandes, voltei para Mato Grosso a fim de passar uma temporada com a minha mãe em Rondonópolis. Frustramos nosso propósito, porque ela havia se mudado para o “Corgão”, hoje atual município de Santo Antônio do Leste, MT. Nós tínhamos saído da casa de meu pai, “meio fugidos”. Como o Antônio ainda era menor de idade fiquei temeroso de que meu pai não deixasse ele viajar comigo. Então menti que estávamos indo para Anápolis, GO, onde eu pretendia trabalhar e estava levando o Antônio para ele se alistar lá na Base Aérea da Aeronáutica. Quando nós não aparecemos depois de alguns dias, meu pai, preocupado, enviou meu futuro sogro Sebastião Rodrigues de Andrade até aquela cidade à nossa procura. Evidentemente ele não nos encontrou. Causamos muito sofrimento em meu pai com aquela nossa atitude. Somente seis meses depois ele ficou sabendo que Antônio e eu estávamos no Corgão. A tia Antônia, do tio Manoel Cará, que também morava no Corgão, encontrou meu pai em Torixoréu, MT e disse a ele que nós estávamos trabalhando para ela, roçando seus pastos. Como meu pai ficou feliz de saber onde nós estávamos e que nós estávamos bem. Então ele me escreveu uma carta, expressando como ficara preocupado com a nossa falta de notícias, mas que então estava alegre de novo e nos estimulava a trabalhar firmes e direito, para que nos tornássemos homens de verdade.

Naquele tempo ali no Corgão, nós tivemos contatos bem imediatos com a Palavra de Deus. Minha mãe, seu Erasmo e meus irmãos iam todo final de semana para a casa do tio José Sabino, onde se reuniam e faziam o culto. Antônio ficou entusiasmado logo de cara pela Palavra de Deus e fez uma decisão que, infelizmente, foi bastante instável ao longo dos anos que se seguiram, mas graças a Deus, ele também hoje está firme na Igreja. Eu não quis fazer a minha decisão, mas acompanhava as reuniões com interesse, querendo aprender a Palavra de Deus. Incomodava-me um pouco ver a dificuldade que os irmãos tinham para ler e explicar a Bíblia. Os textos me pareciam tão claros e eu ficava coçando a língua de vontade de ajudar na explicação, mas como não era “crente”, não podia me manifestar e assim o tempo foi passando. Quando já estava para voltarmos para a casa de meu pai, disse ao irmão Erasmo que gostaria de aceitar a Jesus. Pensei em dar uma alegria para meus familiares. E foi assim que “aceitei a Jesus” e voltei para Goiânia, juntamente com Antônio, na condição de “crentes”.

Chegando ali e meu pai sabendo da nossa mudança de religião, não ficou muito satisfeito. Conversando com dona Eva, uma antiga patroa nossa, ela disse para ele que deveria nos ajudar, nos encaminhar na vida. Então meu pai se prontificou a ajudar-nos a montar uma frutaria. Ela ficava na “parte nova” do Setor Pedro Ludovico. Vendíamos frutas, verduras, cachaça e cigarros. Foram poucos meses de negócios. Nesses poucos meses, desconvertemos e voltamos ao nosso status quo ante, ao estado anterior.

Nos anos que se seguiram, fizemos várias viagens de Goiás a Mato Grosso. Quando estávamos na casa de minha mãe, nós nos “reconciliávamos” com a igreja. Quando voltávamos para Goiânia, nós voltávamos para a nossa velha vida. Assim se passaram muitos anos, até que, em 1983, após uma conversa que irmão Manoel Paulo teve comigo, eu decidi afastar-me de vez da igreja e deixar daquela “embromação” de longos anos. Assumi a minha condição de perdido e me perdi cada vez mais. Nunca bebi tanto, quanto bebi nos anos que se sucederam.

Em 19 de janeiro de 1985, quando tinha 27 anos, casei-me com Lourdes. Em 1986 viemos de mudança para Poxoréo, abandonando o curso de Direito que iniciara um ano atrás. Estava bêbado quando tomei a decisão da mudança. Tive uma discussão muito feia com meu pai. Magoei-o por demais. Quando sarei do porre, já estávamos chegando em Primavera do Leste. Arrependi-me da decisão que tomara, mas já era tarde demais. Assim, no dia 12 de março de 1986, chegamos em Poxoréo, onde estamos até hoje. Naquela ocasião Lourdes estava grávida de Fernando, nosso filho mais velho. Nove dias depois ele nasceu.

Não foi fácil para Lourdes, Fernando e meus outros familiares, conviver comigo enquanto alcoólatra sem controle.

Em 25 de maio de 1994, quando completei 36 anos, pensei que iria morrer. Então “tomei todas” as cachaças da cidade. Perdi a noção da realidade. Meus colegas de profissão, da Escola Juracy Macêdo foram até minha para casa comemorar o meu aniversário e eu praticamente não vi nada do que aconteceu, embora fiquei de pé e bebendo junto com eles até tarde da noite. Quando acordei, de madrugada, ressaqueado de toda a bebedeira que havia tomado, as escamas caíram dos meus olhos, como caíram dos olhos de Saulo de Tarso (Atos 9: 18).

Naquele dia eu compreendi o meu estado de perdido (Lc 15:17). Até então eu nunca havia me dado conta de tal situação. Eu sempre achava que estava tudo bem e que as coisas deveriam continuar do jeito que estavam indo. Naquele dia eu compreendi que não poderia mais continuar daquele jeito. Tinha que tomar uma decisão. Tinha que mudar a minha vida. Caso contrário eu estaria irremediavelmente perdido. Naquele momento em que senti essa necessidade de mudança eu pensei em Deus e entendi que somente Ele poderia me ajudar a libertar-me do alcoolismo. Decidi apegar com ele (Jo 8:36). Não disse a Lourdes, nem a ninguém qual era o meu propósito, mas a partir dali decidi que não iria beber mais e que quando eu tivesse vontade de beber, iria pedir a Deus para tirar a minha vontade. Iria orar, suplicar até passar a vontade. E foi assim que aconteceu nos dias que se sucederam. Curiosamente, naquela semana, Fernando me perguntou se ele poderia participar da catequese lá na Escola Juracy Macêdo. É que ele tinha sido convidado pelas freiras para isso. Então eu lhe disse que iria levá-lo à Igreja Neo-Testamentária. E no domingo imediato, de fato eu levei a família à Escola Dominical. Ao término, a irmã Lúcia disse para o Fernando: “peça a seu pai para trazê-lo outra vez!” Eu ouvi e respondi-lhe que iria trazê-lo. E de fato isso aconteceu.

A partir daquela dia nós voltamos a freqüentar a Igreja. Então, no dia 07 de agosto, de manhã, durante a Escola Dominical, quando o irmão deu a oportunidade para que alguém lesse os versículos de Hb 10:26-27, eu, mecanicamente fiz a leitura do texto. Para mim foi uma tremenda paulada. Eu entendi que não poderia continuar insensível. Deus estava falando comigo e eu tinha que tomar uma atitude (Is 55:6). Chegando em casa, conversei com Lourdes e Fernando e então decidimos, conjuntamente entregarmos as nossas vidas a Jesus. No culto à noite, irmão Luís Marques de Sousa fez a pregação. Sinceramente eu não me recordo dos textos que ele leu, mas passei o culto todo esperando o momento em que o convite fosse feito. Mas ele não foi feito. Então Deus falou outra vez. Tendo já terminado a reunião, sem que o convite fosse feito, irmão Luís Marques sentindo que deveria fazê-lo, levantou-se do banco, chamou a atenção dos irmãos e disse que não poderia deixar de fazer um convite para saber se alguém dentre os presentes queria entregar-se a Jesus. E foi então que nós nos levantamos e dissemos que nós gostaríamos de aceitar a Jesus. Naquele momento, tal a foi a importância para mim, que a minha vontade era de chorar de tanta felicidade. Eu sentia que agora, sim, eu havia nascido de novo e me tornara a nova criatura que 2 Co 5:17 afirma.

Já se passaram catorze anos e pela graça de Deus eu posso dizer com grande alegria no coração, juntamente com Josué: “Eu e a minha casa serviremos ao Senhor!” (Js 24:15). Que Deus nos abençoe e nos dê renovadas esperanças de uma eterna vida ao seu lado.

Izaias Resplandes de Sousa é membro da Igreja Neo-Testamentária de Poxoréu, MT