O velho e o novo

Fim de ano. Enquanto 2004 completa o seu ciclo orbital, 2005 está ultimando os preparativos para essa fantástica aventura milenar que a Terra faz em torno do sol pela enésima vez. Com certeza, é uma boa hora para avaliarmos as nossas atitudes diante do que projetamos, fizemos ou deixamos de fazer, para vermos se ainda vale a pena insistir nelas ou se devemos aventar outros caminhos com mais possibilidades de sucesso do que aqueles até aqui trilhados.

A primeira reflexão positiva que faço é sobre o contato que mantivemos uns com os outros, pessoal ou virtualmente – sobre a comunicação. Através das facilidades da informática e da telefonia, pudemos trocar mensagens, expressar nossas opiniões e nos aconselharmos mutuamente. Como se sabe, ninguém é perfeito, todo mundo precisa de ajuda, de orientação. Eu aprendi muito e ensinei algo em todas as vezes que conversei sobre os reveses da vida, principalmente com o meu filho. Afinal, ninguém é tão sábio que não tenha algo aprender, nem tão simples que não possa ensinar algo. A maioria dos entraves se deve à falta de comunicação. Nesse sentido parece que estamos avançando, já que este está sendo conhecido como o século da comunicação.

Pedir ou dar uma opinião não é humilhante. Continuar errando por ignorância, sim. Já disse certa vez que nem sempre a solução que nós pretendemos dar a algum problema é a mais adequada, principalmente quando estamos de cabeça quente. Então ocorrem falhas. E no afã de corrigi-las, às vezes complicamos ainda mais as coisas. Nesse sentido, é de muito valor o conselho que alguém que nos dá, de cabeça fria, isento de interesse no caso particular e, ao mesmo tempo, compromissado conosco de uma forma holística, como por exemplo àquela dica que um pai dá para o seu filho, ou vice-versa, em momento de desequilíbrio conceitual.

Sei que nessas horas de fraqueza, chegamos a ter vontade de renunciar à missão com o nosso semelhante, principalmente quando somos uma das duas cabeças-duras que se encontram, sem que nenhuma queira ceder. Isso aconteceu comigo e meu filho várias vezes este ano. Então, eu tive a oportunidade de aprender, que um pai nunca deixa de ser o pai de seu filho, mesmo que esse atinja a maioridade civil nos seus tão sonhados dezoito anos, mesmo que se case e constitua outra família, mesmo que se torne em uma persona non grata na sociedade. Filho e pai estabelecem uma relação que é para toda a vida. Assim também ocorre entre os amigos. Aquela história de “até que a morte os separe”, também se aplica nesse caso. Nas relações que tive com Fernando Resplandes, o meu primogênito descobrir que a comunicação não pode ser interrompida, em nenhuma hipótese, sob pena de criarmos um gargalo na vida.

Assim, ao analisar o nosso relacionamento, concluí que posso ser o pior pai do mundo, mas sempre serei o seu papai. De igual sorte, mesmo que não seja a utopia desejada, ele sempre será o meu filho. Assim, se tivermos um desentendimento, se não conseguirmos falar a mesma língua em alguns momentos, se faltar o diálogo, isso não modificará em nada a nossa relação de pai e filho. E não devemos fugir disso, mas sim, de forma madura e responsável, buscarmos restabelecer a comunicação e o ponto de equilíbrio. Se nós não tivéssemos qualquer revés, então seríamos anormais.

Sabemos que cada cabeça é uma sentença e que cada um tem o seu ponto de vista e a sua força de vontade, na qual luta para prevalecer. Embora real, também é fato que não posso medir força com meu filho. Sou mais velho, mas não sou o mais forte. Meus cabelos brancos e minhas pernas cheias de varizes dizem que não sou mais lá essas coisas em termos materiais. Sou água passada, roupa amarrotada, comida de ontem, como os novos dizem dos velhos durante o embate. Mas isso é apenas um lado da questão, pois, por outro, a minha esposa diz que ainda dou um bom caldo. E, como diz o cantor, “caldeirão velho é que faz feijão gostoso!”

Humor à parte, essa questão do outro lado é também um ponto muito importante para a nossa reflexão. Ele existe. Muitos pensam que só há um, mas é claro que há o verso e o reverso, a tese e a antítese, aqueles que estão a favor e os que estão contra. Há muitos lados, embora todos queiram que a sua versão seja singular.

Vejamos, por exemplo, um segundo lado da questão entre meu filho e eu. Ele é um belo rapaz com dezoito anos de juventude, forte, inteligente, com um poder de síntese extraordinário. Está cursando a quarta etapa do curso de Farmácia e Bioquímica. Não restam dúvidas que, em termos potenciais, ele é muito mais forte do que eu. Seu conjunto neuronial tem uma lista de especialidades muito maior do que a minha. Em seu cérebro, os neurônios estão disputando a responsabilidade pela primazia da pesquisa e do levantamento das informações que subsidiam as suas ações no mundo concreto. Haja ações para tanto neurônio. Ele é uma energia que constrói, que transforma, que domina, que impera. O meu filho é a soma do que eu fui com o que ele conquistou. Ele é mais do que eu, como eu sou mais do que o meu papai Marcelo foi, posto que incorporei tudo o que ele pode me transmitir, assim como a geração de amanhã será superior à nossa.

Na matemática da vida, um mais um é sempre maior do que dois e é por isso que cometemos tantos erros, pois insistimos na exatidão, quando a única coisa exata que a ciência dos objetos ideais pode dizer é que nada é exato e que tudo não passa de relatividade. Assim, o que adianta o endurecimento em um velho ponto de vista? Até quando ele permanecerá sem que seja superado por um novo?

A principal descoberta dessa reflexão é que existem muitos lados, muitas versões e muitas possibilidades. Estava errado quando pensava que era somente eu, a minha opinião e o meu umbigo. Não existem apenas dois ou três focos, mas infinitos. A leitura, em princípio, é sempre uma polissemia e, somente depois de muita negociação, de renúncia para cá e para lá, de acordos e queima de saliva, é que nós fechamos o assunto monossemicamente, para que possamos viver em paz, como convém àqueles que são conhecidos como humanos, em contraposição às demais coisas. Mas nada está fechado em 2004. Tudo continua aberto para um mar de possibilidades e releituras. Nossos jovens querem apenas o novo, em detrimento do velho. Devemos continuar insistindo com eles, mesmo que sejamos todos cabeças-duras como meu filho e eu, sabendo que a firmeza de propósitos, até certo ponto, é um grau de maturidade. O que não podemos é interromper a comunicação. Mesmo que a nova geração tenha idéias e pensamentos próprios, mesmo que não concordem conosco, não podemos permitir que eles neguem seu passado histórico, de onde todas as coisas começaram. Essa é a nossa responsabilidade. Se nos omitirmos haverá o black out e o retrocesso que a humanidade não deseja. O amanhã não é apenas o hoje. Ele será construído da adição entre as contribuições dos jovens e as nossas. Nem tudo está pronto e acabado, como tampouco, nada surge do nada. Há sempre que se fundar em um ponto de partida já conhecido.

Foi bom descobrir que somos apenas parceiros uns dos outros. Nesse sentido, para o progresso da humanidade, o novo e o velho coexistirão como sempre, embora no passado, não fossem capazes de se aperceber. Viva o velho e viva o novo!