A invenção do homem

Dizem que nem todos os seres humanos nascem. Alguns são inventados, nada mais que isso, verdade; outros até nascem, mas feito aves, de chocadeira, é isso mesmo. A mulher põe o óvulo que é juntado ao espermatozóide do homem e pimba, é chocado em uma dessas invenções modernas de laboratório, a tão falada inseminação artificial, é isso mesmo. Isso já virou tese de estudo de grandes pesquisadores, defendido em congressos de especialistas, de mestres e doutores. A aceitação é dividida, não tem um consenso, mas, o fato é que alguns nascem, outros são inventados e outros até nascem, chocados!!!Pasmem!!! O que acontece é que todos concordam em um ponto, depois de nascidos, inventados ou chocados, todos os seres ditos humanos passam pelo mesmo processo de desenvolvimento. É muita pretensão, não, dizer isso? Mas é. Todos, sem exceção, são estimulados a desenvolver as competências verbais: balbuciam alguns sons tidos como distintivos, aprendem a falar, desenvolvendo assim a linguagem, em alguns verbal, em outros, outras linguagens. São motivados a certo equilíbrio, equilibrar o próprio peso sobres suas pernas; aprendem a andar, daí o auxílio do Freud para explicar o desenvolvimento psicossexual do ser, a fase oral e o contado com esse mundo louco, mundo de serem que pensam que pensam, que pensam que sentem, que pensam que agem. É certo dizer que até tem aqueles que sabem pensar, que raciocinam e usam esse raciocínio para fazer a diferença, já outros nem por isso, passam a ser a própria diferença e haja rótulos, enquadramentos, sanções. Alguns acham que sentem e vivem de achismo: eu acho isso, eu acho aquilo e no mundo não acham nada, porque vivem perdidos em si. Os que se imaginam agindo são os mais parados. Param para ver o tempo passar e agem como se isso fosse um ofício árduo demais. E assim passa-se o primeiro ano de vida. Alegria para o papai, alegria para a mamãe e a foto do primeiro aniversário, lembrança para a posteridade; passa-se o segundo ano... Três anos de idade e já passa a ser produto do meio. De acordo com o modelo de vida e com o ambiente passa a ser moldado como são moldadas as leis de conduta, de moral e ética de cada grupo, do grupo a qual pertence... Quatro anos de vida e esse ser nascido, inventado ou chocado é, depois foi e agora não sabe se é ou se foi ou o que será porque a vida não se explica, se vive. Vá tentar entender. Cinco anos de idade e já na escola, no contado com as primeiras letras é levado por impulso ou estímulo que existe uma letra B e existe uma letra A e somando as duas dá-se um som, uma sílaba e daí a cosntrução de palavras, é uma descoberta, uma grande descoberta na tentativa de criar o ser alfabetizado, futuro leitor. Uma nova etapa, um novo caminho um novo que de novo parece não ter nada. Seis anos de idade, sete anos, oito anos de idade e esse ser que antes era, agora aprendeu que é, tempo presente, momento presente, sem abstração. Agora tudo é concreto demais: as dificuldades, a separação dos entes queridos, a infelicidade, o sentir-se só, a solidão, o querer ter e não ter, a dor, o medo, a frustação, a maldade, a falata de...É concreta a dureza do dia que nasce, as suas vontades e interrogações. O mundo é concreto, os muros são concretos, o que te cerca é concreto demais.A vida é concreta.Mas o que é vida mesmo? como se definir? Como conceituar? Aí vem o tempo da lembrança, a música que outrora em sua colação de grau cantara:"...é o sopro do criador...". A vida cria a dor,, o criador sopra a dor da vida e assim a vida se cria em sopro de dor, por isso ser tão brusca, tal real, assim como é brusco e real o que explode dentro de si a velocidade de um ano luz; explode dentro de si como algo inflamável, nebuloso, semelhante a um vulcão em erupição. E assim, nove nos, dez anos... No homem, as primeiras mudanças, na mulher as primeiras inquietações... Onze anos,doze anos, treze anos e tudo é muito diferente. A voz que escuta já não é mais a mesma voz soada antes, o rosto que vê no espelho já não é mais o mesmo rosto.Alguns fios aqui, outro fios ali, játem barda, bigode, pode? E a ereção agora é coisa constante, a vontade de...A descoberta do outro, do desejo, da vontade de...A coceirinha e volta e meia uma idade ao banheiro e nem está com diarréia, uma boa ejaculação como remédio para o alívio do corpo cansado, da alma em brasa de desejo... Na mulher a menarca, o sangue que sem explicação nenhuma passa a escorrer perna abaico,e um corpo estranho, agora habita entre as pernas;incomodo, diferente, iritante.A mudança corpórea: Alonga-se os mamilos, afina-se a cintura e dentro de si uma outra voz que se instala. Nos dois, mudam-se os interesses, mudam-se as emoções, o encontro dos olhos e os novos sentimentos instalados. A vontade de...Mais uma vez. A negação de si, a negação do outro, o desejo de possuir-se e de possuir e de ser possuído e haja mais uma vez o pai da psicanálise para explicar... Quem sou? Onde estou? Para onde vou e assim sendo, se penso, existe? Quatorze anos, quinze anos, dezesseis anos e uma série de idéias formadas. As suas idéias pessoas. Embora tenham aprendido a teoria da evolução se contrapondo a teoria criacionista; A seleção natural, a razão primeiras de todas as coisas, as aulas do catecismo e tantos ismos e ismos que se escuta... O que vale é aquilo que está dentro de si e se acham o grande dono da razão, as verdades fundidas aquilo que se acha sendo e haja vista tamanha loucura; se constituem humanos que pensam, agem e sentem... Dezessete anos, dezoito anos e a pergunta que antes era sobre a vida, agora é outra... Acha que "O tempo não pára" e assim vai disparando suas mágoas, suas lógicas, verdades inspiradas em quase nada de base teórica aceita e se acha. Acha-se perdido em um bombardeio de situações que não sabem resolver... Acha-se superior ao umbigo de cada um e não sabe o preço de um quilo de feijão, porque alguns já se encontram na universidade e o seu uni verso ainda não tem a idade da maturidade que deveria ter adquirido, ainda se acha sendo o filhinho do papai ou o filhinho da mamãe que não aprendeu a lavar a cueca ou a calcinha. E todo dependente inventa de inventar modas, modos de vida alternativo; na faculdade não usa as faculdades como manda os figurinos e vem os resultados, filhos indesejados, não planejados porque nem sua vida ainda tem um planejamento e a mesada que antes era só sua, agora é dividida...Dezenove anos, vinte anos, vinte e uns anos e começa a perceber que o que julgava saber não sabe mais...Os anos de cursos superior para ingressar no mundo do trabalho são multiplicados, enquanto que alguns amigos destacaram-se, mudaram de vida e de concepções e você? Nunca entrou no curso deseja, não fazia o que sempre sonhou porque deixou que o tempo sonhasse ou decidisse por você e vinte e cinco anos de vida e o gosto da decepção amargando garganta abaixo... Quantos filhos?Tantos quantos a sua consciência falhou,tudo desregrado, tudo descendo pelo ralo do banheiro junto a água que lavava seu corpo e mais uma balada, mais uma noite , mais uma farra enquanto o homem, outro homem...Talvez o que tenha nascido, ou o que tenha sido inventado ou mesmo o que tenha sido chocado descobriu que o átomo é divisível, que a terra gira em torno de si mesma, que os planetas já não são apenas nove, que existe um vírus que ainda não tem cura e que a razão de todas as coisas pode mesmo passar pelo homem, embora pela irrespondabilidade deste mesmo homem milhares de homens morrem a cada momento vitimados por tiranias, como a fome, a guerra, a falta de abrigo, de um peito amigo, de desmandos tiranos. O sangue que escorre e que ninguém sabe para onde porque não é interessante saber. O homem que descobriu o fogo, que transformou a terra, que ergueu as cercas, que descobriu a energia, que promoveu a revolução industrial e que hoje desmata, mata, mas também ama, morre em nome da vida, acredita e se sustenta de verdades inventadas, de sortes invertidas e coisas que parecem acreditar...Vinte seis, vinte sete, vinte oito, vinte nove...Trinta.Trinta anos e uma grande prole. Conceitos mudados, concepções de família mudadas... Avanços, crises e um novo questionamento vai surgindo a partir do momento que vê novamente sua face refletida no espelho e perceber que aquele não foi o rosto desenhado pra si ao longo do tempo:primeiras marcam do tempo, primeiros cabelos brancos e o desespero tomando de conta e o faz de conta tantas vezes ouvido era tal real e naquele momento havia algo acontecendo, algo que levou trinta anos para acontecer... Seria surto? Surto de consciência, fluxo de consciência, existia ali uma consciência? Que nada! Naquele momento você percebe que é domingo, que os amigos o espera para mais uma rodada de cerveja, churrasco, pagoderia... E assim trinta e um, trinta e dois, trinta e três e é chegada a hora da crucificação.Não se vê realizado, o sonho da casa própria ainda não é uma realidade: filhos, netos, a feira do mês e o gás que se acaba. O gás da vontade de viver. Naquele momento, percebe-se que seus trinta e quatro, trinta e cinco, trinta e seis anos de vida o expulsa paulatinamente do mundo do trabalho, que os concursos em que você não foi aprovado começam a ficarem pesados e o discurso que antes declamava com tal ênfase se perdeu no meio do caminho:Seria,então, homem nascido, homem inventado ou homem chocado? Quarenta anos de idade, a força bruta de ir a luta, de vencer batalhas, o burro de carga existente em si, começava a dar espaço para o cachorro que morria de latir e não era escutado. Quarenta e um ano de vida, quarenta e dois, quarenta e três anos, quarenta e quatro e começa a pensar!!!Pronto!!!Descobre então o humano que existe em si. Pensa, pensa em bater a porta do governo mendigar uma aposentadoria que o sustente mais tarde, que lhe dê segurança, que lhe garanta ao menos um abrigo. Quarenta e seis anos, quarenta e sete, quarenta e oito anos, quarenta e nove e já começa a perder os últimos dentes. Uma chapa, uma prótese, uma proteção. Cinqüenta anos de idade e ainda se pergunta quem é, o que pode, o que faz. Faz de conta, faz a conta e percebe que já tem mais de meio século... Cinqüenta e um, cinqüenta e dois, cinqüenta e três, cinqüenta e quatro, cinqüenta e cinco... Lembra-se dos pais, dos tempos dos pais e lhe vem a canção do Belchior atormenta-lhe o juízo. Quantos anos? Cinqüenta e sete, cinqüenta e oito, cinqüenta e nove, sessenta, é um idoso!!Está na constituição, numa dessas emendam que vão remendando e cada vez mais ficando frágil a colcha de retalhos dos direitos de cidadão, que não é seu, que você não ajuda a construir, que decidem por você. Idoso, velho, escanteado. Mas existe um benefício diante de tudo isso, é, já pode andar de ônibus de graça e fazer parte do programa de leite. Sessenta e um ano, e dois e três, e quatro e por não fazer nada, o corpo já responde: cansaço, moleza, a era do com dor aparece e aparece também a conta da farmácia... Neste meio termo, o homem já foi a lua, inventou o computador, a internet e toda a tecnologia que individualiza o homem, que o torna menos gentil, menos solidário, o homem que já não senta na janela, que não diz boa tarde nem e você já percebendo que seus olhos já desejam fechar, ter um repouso eterno, habitar outros mundos... Setenta e dois anos e sente que percebe que a noite chega porque para ele tanto faz... Setenta anos de idade sem os netos te respeitarem, que o que ganha de aposentadoria, a tão sonhada aposentadoria não dá para nada. Setenta e três anos de idade e a língua tão solta, agora é língua amarga. A fala serve par dizer: - No meu tempo, ai, ai, no meu tempo... Mas o tempo passa, não pára, isso mesmo. O tempo voa,vai embora... Oitenta anos de idade e depois de longas histórias contadas, percebe que já anda de vagar, que a pressa não é mais necessária e que mais que não saiba, sabe sempre que sua existência foi necessária para a invenção do homem pela história. Aos poucos sente que o peso do corpo torna-se insuportável, junta suas mãos com dificuldade e aos poucos seus olhos se fecham imaginando, naquele momento se seria na verdade um ser nascido, inventado ou chocado.