Crônicas para um Coração Solitário

Pensamentos para dias chuvosos (Para uma alma dilacerada)

Por vezes, e olhe que são muitas, eu me deixo observar a chuva e imagino que em algum lugar do mundo um coração pode estar se partindo. Não me importa a hora, o dia nem o local. O certo é que a chuva, apesar dos tantos benefícios que traz, lembra lágrimas, lágrimas puras, límpidas, inocentes, assim como a água da chuva é destilada. Pelo menos assim o era em meus tempos de meninice. É nessas horas de pura e melancólica reflexão que permito que meu próprio coração fraqueje e lembranças de um passado não muito distante me vêm à tona, quase me sufocando com tanta verdade e dor.

Há alguns anos eu passei pela primeira dolorosa experiência de perda de minha vida: perdi meu primeiro amor. Mas não foi uma perda reparável; foi uma perda eterna. A primeira vez que nos separamos, eu tinha apenas dezenove anos e rompemos porque ele me traiu. Eu jamais poderia perdoar uma traição (até hoje não posso); a segunda vez, eu o perdi definitivamente em um leito de hospital. Quando todos acreditavam que ele sobreviveria a um acidente de carro, quando ele havia bravamente lutado e saído de um coma, uma parada respiratória o levou de nosso convívio. Quando eu realizei que nunca mais o veria, quis me culpar, vivi minhas noites brancas, pensei no que poderíamos ter sido. Após algum tempo percebi que os fatos da vida não dependem de só uma pessoa para se concretizarem. Tudo faz parte de um círculo eterno. É como diz aquela música: “A Terra e o Universo vão cumprindo seu destino”.

Hoje, às vezes, em meus breves momentos ociosos, me pego pensando em como teria sido se eu tivesse perdoado a traição dele. Se bem que a mesma rendeu um fruto, um filho que com ele partiu no mesmo acidente. Pergunto-me se eu teria o poder de evitar toda aquela tragédia, que, além de ter levado deste mundo um pai e um filho, levou uma mãe à loucura e um pai a um completo abandono. Vejo nos olhos daqueles dois idosos tão queridos ao meu coração um vazio que só os que têm tamanha perda carregam. É a tal da culpa que me atormenta ainda hoje e que tenho consciência de não ter.

Hoje os céus parecem estar caindo. A chuva cai forte, poderosa, sem medo de se mostrar depois de dias de calor e seca. Hoje mais um coração se partiu e será difícil “remenda-lo”. Mas o Tempo vai aquecer novamente essa alma e, se os Céus assim desejarem, as águas torrenciais desta chuva que agora cai sobre nós, vai purificar aquele espírito, cicatrizar as feridas, acalmar aquele olhar. Que assim seja!

Rita Flôres
Enviado por Rita Flôres em 26/12/2008
Código do texto: T1353302
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