Mega Vó 7: Coração Surdo

Coração Surdo

Ana Esther

Naquele domingo de sol, em pleno janeiro, o vento sul estava por demais frio para a Dona Ivoty. Ela então resolvera nem sair de sua casa na praia, iria curtir um filmezinho. Ligou seu aparelho de surdez e começou a procurar algo que a agradasse nos vários canais da TV por cabo da sala. Quando encontrou aumentou o volume e se aconchegou na confortável poltrona. Sabia que até o fim do filme teria tranqüilidade pois os netos estavam na beira do mar, adolescentes não sentem frio!

No meio do filme, no melhor da cena, entrou correndo na sala uma das bisnetas que vinha esbaforida da praia. A menina postou-se atrás da avó e perguntou onde estava o protetor solar. Dona Ivoty, que ainda mantinha os olhos grudados no Denzel Washington, seu ator preferido, tentou mas não conseguiu virar-se para falar de frente com Jujubinha. Diminuiu o som da TV e disse, “O que foi que perguntaste, Jujubinha?”

A menina rolou os olhos, bufou e repetiu a pergunta num tom mais alto porém ainda por trás da bisavó. Mais uma vez Dona Ivoty não entendeu nada e perguntou novamente o que Jujubinha queria. A neta surtou, deu um chilique total, desandou a berrar e berrar –ainda por trás da Dona Ivoty- que queria o tal protetor solar. Aí mesmo é que a pobre da Dona Ivoty não entendeu bulhufas. Com o chilique da Jujubinha a Betina apareceu na sala e desandou a gritar querendo saber o que a filha tinha. Na frente da Dona Ivoty duas gerações se esganiçavam reclamando da surdez da avó.

Bem no instante em que a Ana Brasilis mirava a delicada florzinha tentando encontrar o melhor ângulo para fotografá-la escutou com seu coração, vindo de muito longe, algo terrível: Essa véia não serve pra nada, é uma porta, não ouve nada! Cheia de indignação, puxou de dentro de sua bolsa um chaveirinho com a miniatura da...

“Bengala Mágica, chama a Vovó!” E o tradicional redemoinho transformou a jovem fotógrafa no amor de velhinha Mega Vó que sem perda de tempo voou até a casa de praia da Dona Ivoty. Não fosse o espanto com que viram a aterrissagem de uma velhinha voadora bem no meio da sala Jujubinha e sua mãe Betina nem escutariam a vozinha gentil da Mega Vó exclamando:

“Meninas! Com estes berros ninguém pode entender vocês...”. A Mega Vó ajudou a Dona Ivoty a se levantar da poltrona e dirigiu-se novamente as duas brigonas com seu poderoso Olhar do Arrependimento ‘ligado a toda’. “Já experimentaram falar com a Dona Ivoty olhando de frente para ela, percebendo se o ambiente está silencioso, articulando bem as palavras, e principalmente ouvindo o que ela tem a dizer?”

A neta Betina abaixou a cabeça e ficou pensando em sua atitude e deu-se conta que não andava tendo paciência para falar com a avó com a devida calma... No entanto sua filha Jujubinha só se interessou em berrar ainda mais alto nas costas da Mega Vó [Claro que ela pensou: uma super heroína velha deve ser super hiper mega giga surda...!] Foi aí que a Mega Vó recorreu à ajuda dos poderes hipnóticos da Bengala Mágica para cavar lá dentro do coração da Jujubinha algum carinho adormecido. Finalmente caiu a ficha da bisneta destrambelhada. Veio-lhe à mente a época em que ela adorava sentar no colo da bisa e contar suas descobertas, olhos nos olhos. Coincidentemente, o filme na TV apresentava os protagonistas chorando... na sala da Dona Ivoty choravam também Jujubinha e Betina, mortas de vergonha por sua ignorância ao lidarem com a avó que tinha problemas leves de surdez. O final da estória é mais alegre: bisavó, neta e bisneta sentaram-se no sofá junto com a Mega Vó e as quatro se empanturraram de jujubas rindo das besteiras que, graças à heroína dos idosos oprimidos, jamais se repetiriam!!!

*Esta minha aventura da Mega Vó foi publicada no Jornal Cultura&Lazer Ano 2 - N. 6, Mar/2009, pág. 8 (Florianópolis, SC) e também em www.jornalculturaelazer.zip.net