VÁ DE ÔNIBUS

Dias atrás, um ônibus que estava à frente do qual eu me encontrava exibia, no vidro traseiro, que muitos preferem chamar de busdoor, seguindo a tendência de estrangeirizar tudo, a seguinte frase: “Vá de ônibus!”. Em letras menores, havia alguns motivos para deixar o carro em casa e utilizar o transporte público. Motivos muito justos, como diminuir a poluição, aliviar o tráfego etc. Porém, não havia nada no letreiro sobre a superlotação dos coletivos, sobre o eterno mal humor dos motoristas e trocadores, sobre o tempo que se perde esperando a condução, sobre o risco que é andar de ônibus em certos pontos desta cidade, ou seja, é tudo muito bonito na teoria, mas as mesmas pessoas que criaram a propaganda talvez tenham ido trabalhar no seu carro.

No terminal da Parangaba, certa vez, uma mulher tentou furar a fila para entrar no Parangaba/Náutico, por volta das sete da manhã, horário de pico. O segurança responsável por garantir que a ordem da fila seria respeitada não permitiu a entrada da mulher, sendo xingado de todas as formas pela senhora. Algumas pessoas, quando vêem que não existe mais nenhuma cadeira vaga, decidem esperar o próximo ônibus, mas a senhora que arriscou furar a fila não podia mais esperar e então saiu do traçado e tentou burlar o sistema. Porém o segurança não tem que se preocupar com isso, tem que fazer o trabalho dele, que é assegurar a ordem. E ele sabe que muitas pessoas furam a fila não porque estão atrasadas ou porque alguém interrompeu o andamento dela, mas porque simplesmente são mal-educadas e corruptas.

Eu digo corruptas porque a lei universal das filas é que cada um terá a sua vez numa ordem pré-estabelecida, seja qual for essa ordem, e, se alguém deturpa a lei, esse alguém é corrupto. Essas mesmas pessoas que furam a fila e são corruptas por isso são as que, de dois em dois anos, em outubro, elegem vereadores, prefeitos, deputados, governadores, senadores e presidente. São essas pessoas que reclamam quando os que são eleitos por elas entregam-se à corrupção, porém em maior escala e causando danos piores do que o ato de furar uma fila. Mas quem garante que, se aquela mesma senhora que tentou furar a fila do Parangaba/Náutico, se estivesse na assembléia, na câmara ou no senado, não manteria seus hábitos corruptos? Que moral essa senhora tem para cobrar honestidade de um político mal-intencionado, se ela não dá o exemplo? A diferença entre a mulher que furou a fila e o deputado que desvia dinheiro da merenda escolar ou da saúde é só a gravata e o poder aquisitivo, porque a cara-de-pau é a mesma. Enquanto o parlamentar trai a confiança dos eleitores, que contavam com sua honestidade e decoro, a senhora que tentou furar a fila traiu a confiança de todos que estavam na mesma fila que ela esperando o Parangaba/Náutico, atrasados ou não.

O ato da mulher foi coibido pelo segurança e seria muito bom que isso sempre acontecesse, porque, se as pessoas não trazem de casa o bom senso, então que este lhes seja ensinado pelo mundo. O problema é que, lá nas casas legislativas, não há “seguranças” que inibam a corrupção de maneira eficiente.

E esse exemplo da mulher que furou a fila do Parangaba/Náutico é só uma gota no oceano de coisas que ainda há para se resolver no sistema de transporte público de Fortaleza e, muito mais, no oceano de falta de educação de algumas pessoas dessa cidade. Portanto, antes de sugerir que as pessoas deixem seus carros em casa e vão de ônibus, é preciso que questões estruturais sejam solucionadas, é preciso consciência e bom senso de todos os cidadãos – grupo que inclui desde a prefeita até a senhora que furou a fila – para que os problemas da cidade e, em conseqüência, do estado, do país, enfim, do planeta, sejam devidamente resolvidos.