A fome do meu país

Nas manhãs claras e luminosas, minha cidade fica ainda mais bonita. Sou amante desse mar, de seu sol, de sua lua, de suas montanhas. Gosto de caminhar cedo, bem cedo, onde experimento a sensação da riqueza do presente de Deus. O dia que se descortina diante de meus olhos... Sei que é uma declaração de nosso Criador, a nós, homens. E o que Ele nos pede apenas? Ele nos pede amor. Que amemos uns aos outros. Um amor completo e absoluto que transcende a relação afetiva. Um amor que nos faz sentir o gosto da comunhão. Um amor que partilha. Um amor que entende os males da alma, que pode estender a mão ao irmão que lhe pede socorro.

Então comecei a pensar... Como posso eu viver assim, sem me manifestar, percebendo-me privilegiada em tantas coisas. Vivemos num mundo frio e impiedoso. Conseguimos inverter a ordem das coisas, as mais simples.

Meu carro para em um sinal, um menino se aproxima e eu, rapidamente fecho o vidro. Ele me pede um trocado, algo que pudesse lhe garantir o alívio da dor de sua fome. Ele me pede o que sobra. Um pão, um olhar, um momento de minha vida. Mas nada lhe é ofertado. E eu... Sigo em frente, vou a Igreja, faço minha oração e esqueço daquele rostinho sujo e carente, mas um rosto que não esconde a luz da esperança em seus olhos.

Admiro constantemente o céu, este lindo céu azul onde, muitas vezes, procuro Jesus. Mas para que olhar para o céu? Jesus está aqui entre nós, e, se não cresse nesta afirmativa, vã seria minha fé. Portanto Jesus me olhou de dentro do coração daquele pequenino ser, pedindo um pedaço de pão. E eu neguei, seguindo tranqüila.

Então penso em meu país, onde uma terra rica e fértil é predominância. E penso em todas as pessoas que choram por não poder comer, choram pela dor do vazio real em seus corpos. Pessoas sem chance de poder sonhar. Pessoas que não podem olhar para o céu, pois precisam procurar uma forma de sobreviver momento a momento. Pessoas que não ousam exigir o que lhes pertence de direito, seu quinhão nos produtos do país.

Ma não quero, não desejo permanecer nesta cegueira. Não é o que sobra que devo aquele pequenino que um dia me abordou. Devo-lhe muito mais, devo-lhe a partilha, devo-lhe um olhar, devo-lhe a sensação de poder contemplar as montanhas do nosso Rio de janeiro, tão bonito, mas que abriga uma multidão que não tem tempo de saciar a ânsia daquele menino. Como ele poderia fazer isto, sentindo a dor em seu estômago, dor da pobreza, dor que o impede de caminhar, que o faz chorar em total desespero?

Vou em frente com medo de olhar para trás. À noite, a chuva me traz a mesma sensação. Onde estará você, menino, que sequer sei o nome? Onde estará esta pequena obra de meu Criador? Onde estará o alimento que vai lhe garantir a vida, direito de todos.

Não... Não posso mais me calar. Deus é assim... Faz as coisas se tornarem presentes em nossas vidas, com delicadeza, com a mesma delicadeza que nos ama. Não posso resolver a questão da fome.Mas tenho a obrigação de não me manter afastada diante de tanta miséria. Preciso dizer não à covardia de continuar vivendo, como se todos tivessem o mesmo direito.

Que país é este? Um país com terra fértil, onde os produtos desta mesma terra são inúmeros. Um país que pode ser diferente. Quero amar meu país com liberdade e leveza no coração. Preciso saciar a fome de quem passa em meu caminho e estende a mão num pedido de socorro.

Mas é mais, é muito mais o que se impõe pela fome do irmão. Não sou cega, pois a luz de Cristo se manifesta na dor do menino de rua, que me assusta, mas me faz pensar. Tenho medo de quem tem medo? Naquele momento, fechei o vidro para que a dor da fome não invadisse meu colorido mundo. Fechei-me a Cristo que batia à minha porta. Mas Ele foi paciente, esperou e entrou em meu coração e em meus pensamentos.

Fecho os olhos e vejo tantas pessoas que dizem: Tenho fome, tenho fome, tenho fome!Será que não podemos fazer nada? Será realmente que esta situação é imutável? Diante de tantas preocupações dos dirigentes de nosso país, onde estará a fome de meu irmão? De repente percebi, que Deus nos capacita para que possamos usar seus presentes, seus tesouros a Seu serviço.

Pois então aqui estou, usando de um talento que Deus me concedeu. Escrever é meu mundo, escrever me faz viva, escrever me faz solicitar por uma decisão... Uma decisão de não deixar a luta ser estancada. Para cada um que tem fome, é preciso que haja uma mão que acolhe. E mais ainda, precisamos construir juntos um Brasil mais justo, mais uniforme. Um Brasil, em que não precisarei ter um pão na mão para estender a quem tem fome. Minha mão será de partilha, minha mão será calejada pela luta por um ideal comum. Um mundo mais igual, um mundo mais justo e sem fome. Para isto sei que conto com a palavra escrita. Sei que ainda não é muito. Mas sei também que já é um começo. Engajo-me então nesta campanha. Digamos não a acomodação. Olhemos para Jesus, não no céu, mas em cada irmão que chega a solicitar aquela colaboração. Que esta campanha siga em frente, torne-se um lema, uma meta de vida, para que um dia possamos ter o orgulho de dizer que o país sem fome que sonhamos, está mais perto, porque compreendemos que não devemos a estes irmãos o pão que sobra, mas devemos-lhe o trigo e o trabalho de prepará-lo.

Só aí poderemos lhe devolver o que realmente devemos: a chance de não pedir o alimento que lhe falta, mas a oportunidade de trabalhar para que o tenha garantido, restituindo-lhe a dignidade do ser humano, obra do Criador.