Agoiabeira da lata
 
      Há alguns anos atrás, dentro de uma lata grande, cheia de terra, nasceu uma goiabeira que, hoje, passa de mais ou menos dois metros de altura. Como um desafio, ela cresceu neste espaço limitado com seu caule forte, mas fino, suas folhas são verdinhas a semelhança daquelas goiabeiras que se desenvolvem num espaço maior e, todo ano, na época certa, seus galhos ficam cobertos de flores, mas essas não trazem a essência dos frutos.
    Analisando as características desta goiabeira, meu pensamento se cobre de indagações tal qual a ela quando se cobre de flores. A goiabeira, por está num espaço limitado que impede que suas raízes busquem os nutrientes necessários para o seu desenvolvimento e para que possa produzir frutos se matem aparentemente passiva diante do espaço confinada, mas essa condição de passividade é ao mesmo tempo questionada pelo seu crescimento, provocando, assim, um extremo.
    Peguei o exemplo da goiabeira da lata e levei para um campo maior: a sociedade. Fiquei pensando em quantos de nós vivemos a condição desta goiabeira. Nascemos, crescemos, reproduzimo-nos, aprendemos e agregamos à nossa existência milhões e milhões de dados. Criamos um banco! Mas, na maioria das vezes, deletamos a maioria desses dados, justamente por causa dos obstáculos, dos rótulos, ou mesmo da nossa natureza de não se envolver.
   Então, ficamos repetindo a frase: graças a Deus por isto e graças a Deus por aquilo, numa atitude conformista, como se Deus fosse o culpado de não estendermos as nossas raízes mais adiante. Vamos vivendo, vendo e sentindo na pele a violência, o roubo, os dolos, a alienação do ser nas diferentes formas, os desmandos, os descasos, a quietude dos intelectuais diante dos engodos sociais.
    Mas, continuamos travados na comodidade de nossa lata com a terra enfraquecida sedimentando nosso mundo, delindo nossos sonhos, naufragando a juventude de nossa alma. A goiabeira, ao florir, reage e não dá frutos. É como se ela estivesse chamando a atenção de seu dono para o fato de que ela apenas precisa sair da lata ara ganhar a batalha, para conquistar a terra frutificar e proliferar as sementes. E nós?
  Nós que possuímos a condição do pensamento analítico das coisas, o que fazemos? Não temos tesão para nos engajar nas causas porque sentimos as garras dos abutres, não temos orgasmos para vivenciar as vitórias porque temos medo dos dentes das hienas, nossa libido vai a zero quando ouvimos o uivo dos lobos.
    Porém, quando entendermos que nesse zoológico os lobos, as hienas e os chacais só habitam suas ornamentais tocas porque nós permitimos, e quando, de verdade, tomarmos posse do conhecimento e não apenas da informação, então, neste dia, saberemos optar por estender nossas raízes além da lata.