Conte me um conto... (EC) 


Contar um conto?

Um conto. Vamos ver.

Como contar um conto se quem conta um conto aumenta um ponto? É verdade, a gente conta e quando ouve o mesmo, contado por outro, não reconhece.

Mas um conto não é para ser contado, é para ser cantado, encantado... Então não importa se ao correr das cantações ele for modificado. Não importa também se ele for real ou inventado. Porque, como já foi dito popularmente, mesmo sendo real assim que é contado ele também é reinventado. E o inventado nada mais é do que o real transformado. De tudo isso o que verdadeiro é, sem dúvida, o encantamento de quem conta e de quem ouve.

Triste, muito triste, foi a história que li um dia. Li em um jornal, no caderno onde se fazia cobertura de crimes, coisas horrorosas.

“ Era uma vez, pois é assim que todos os contos começam. Era uma vez... uma mãe que tinha um filho muito doente, desde pequenino. Ela cuidou dele com todas as forças de seu corpo mirrado e de seu coração amoroso. Deu-lhe de comer e beber, manteve-o limpo e aquecido quando fazia frio, e refrescado quando fazia calor. Um boa cama para dormir e histórias de ninar. Ela deu sua presença calorosa, seu abraço acolhedor. E assim, mesmo doente, o menino era feliz. Era amado e sabia disso. Por sua vez, amava também. E demonstrava isso com o brilho dos olhos, que a voz teimava em sair apenas em balbucios. Mas....a sempre um mas...em todos os contos, anunciando mudanças de situações. Então, continuando o nosso conto, um dia tudo mudou. Os olhos do menino perderam o brilho, seu sono tranquilo se evaporou, nem mais comia ou bebia, seus balbucios se transformaram em gemidos, os gemidos em urros e outra vez em gemidos, que a força do menino acabou... Eu havia me esquecido de contar  que a mulher e o menino viviam na roça em uma cabana isolada, na entrada de uma floresta habitada por animais de todos os tipos, os quais nem ela, nem o menino temiam, até entendiam o que queriam dizer. E assim se comunicavam, cada um na sua linguagem.  Foi em uma noite de lua que tudo então aconteceu... assim disse a mulher e assim acreditei eu. O médico acabara de sair com sua maleta de couro e tomara o caminho da cidade em seu velho carro todo avariado. Nada mais a fazer, boa mulher, nada mais...só esperar que ele se canse de sofrer e que a dor o mate. Ela, que o tinha acompanhado voltava chorosa para o seu lar, quando se encontrou com a loba que vinha chegando de mansinho. Vim ver o menino, disse a loba com sua voz de loba na língua de loba que é como ela sabia falar. Vim fazer por ele o que fiz pelo meu que já não podia andar. Fique aqui que eu já vou voltar. Olhe as estrelas, daqui a pouco uma vai piscar. E quando piscar, não chore, é o menino que acabou de chegar, sem dores nem mágoas, se despedindo de você. E assim foi e assim aconteceu pois foi o que ela disse e eu acreditei. Quando a estrela piscou a mulher sorriu e acenou com a mão para o seu menino distante. E então ela se voltou e foi para casa onde logo entrou. A loba já lá não estava e o menino dormia tranquilo, sem dores ou mágoas, o peito descoberto onde dentes afiados haviam fincados para a morte lhe tirar.”

A história que li não foi essa, mas essa foi a que eu quis acreditar porque foi essa que a mulher contou. E todos sabem que os espíritos das mulheres e lobas sempre se encontram em lugares desertos para se ajudarem. Cada um de vocês agora que cumpra o destino dos contos que contam a história através dos tempos, recontando-a do jeito que seu coração mandar.
 
(história criada a partir de lembranças do estudo que eu e minhas amigas fizemos sobre o livro Mulheres que correm com os lobos, de Clarissa Pinkola Estés )

Maria Olímpia Alves de Melo

 
 
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