Borboletas e escuridão

Sabe aqueles dias em que a gente acorda e parece que está vivendo um déjà vu entediante? Hoje é um desses dias para mim. Estou aqui, no silêncio de um quarto banhado pela escuridão, me escondendo do brilho das luzes matinais. Não gosto do sol. Sim, eu sei que ele é necessário, mas não gosto dele. Ele não significa mais para mim o mesmo que quando eu era criança e as tardes eram deliciosamente mornas. Eu adorava as tardes em minha antiga casa, na companhia de minha avó, sempre pegando no meu pé, me vigiando para que eu não “aprontasse” ou “fracassasse”, como ela mesma dizia. Chego até a sentis o cheiro da cera usada no piso lá de casa, de tábua corrida e lindamente brilhante, onde eu andava sem usar qualquer calçado e deitava para ouvir os Bee Gees. Meus dias agora são tristes, minhas tardes são terrivelmente monótonas, mesmo trabalhando onde eu trabalho e onde o único cheiro, além do anti séptico do ambulatório, que chega até mim é o cheiro dos soldadores, uma mistura de ferro e lamentação. Quanta saudade de todos os meus brinquedos, dos meus CDs, dos meus quadrinhos. Saudosista? Talvez. Não tenho medo de admitir nada. A época dos medos e incertezas já passou... Meu coração, esse músculo vagabundo, insiste em me levar ao que não mais pode voltar, o passado feliz no meu Rio de Janeiro, lugar onde, por incrível que pareça, residem as pessoas mais felizes na face da Terra. Só que o teve e o perdeu sabe disso. Ah, e por falar em felicidade, as borboletas voltaram a habitar o meu estômago. E quando penso nisso é como se eu tivesse voltado à minha adolescência feliz, revivesse meu primeiro beijo e aqueles momentos tão fascinantes de espera pelo contato com o ser amado. Isso nunca muda. Pode ser em qualquer fase de nossas vidas, esse sentimento fabulosamente complicado não muda. As borboletas sempre batem as asas em nossos estômagos e o coração, ah, o coração, acelera e o mundo não parece mais esse lugarzinho de quinta categoria, mas um verdadeiro lar, o que realmente deveria ser, uma vez que habitamos um Planeta tão lindo. Olho para as cortinas que protegem meus olhos noturnos dos raios nefastos do sol. Como eu queria estar junto de meu amor, nem que fosse apenas por um momento; como eu gostaria de tocar suas mãos e sentir a firmeza de um abraço. Seria mais uma cara lembrança para esta minha alma antiga aprisionada em um corpo decadente e enfermo, mas cheio de vontade de prosseguir, mesmo com essa sensação de déjà vu que não me abandona cada vez que o dia chega e a minha querida escuridão fica para trás. Percebo, de repente, que ainda não abandonei o costume do namoro. Ainda desejo andar de mãos dadas pelas ruas de Icaraí à noite, ainda quero beijos quentes e, às vezes, roubados, ainda quero abraços apertados. Anseio pelo momento certo da entrega, sem pressa. Não quero que essa entrega seja apenas mais um ato animal, quero verdadeiro amor tendo a paixão como consequência, não como causa. Eu ainda sou uma sonhadora absurdamente romântica. Desejo todos os sabores e prazeres de um amor incondicional a que tenho direito. Se não puder ser assim, que eu continue em minha jornada solitária noite a dentro. A escuridão sempre me consola, não será a primeira vez. Mas eu vou chorar. Não tenho vergonha de encarar minhas fraquezas, minhas derrotas, minhas batalhas perdidas. Não tenho vergonha de ser quem eu sou.

Rita Flôres
Enviado por Rita Flôres em 23/02/2010
Reeditado em 08/02/2017
Código do texto: T2102643
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