TESOUROS DO NORTE

Outro dia recebi um convite, que muito me honrou, para participar de um filme: “nas asas do condor”, adaptação de um conto do amazonense Milton Hatoum.

Acho que foi mestre Jung que dizia: não existem coincidências, mas confluências. Assim sendo, no final dos anos 70 chegam em Manaus para lançar um livro, “Amazonas – palavras e imagens de um rio entre ruínas”, com fotografias “ilustradas” com poemas. Fotos feitas por mulheres e os poemas de um cara que eu tinha visto pela primeira vez na faculdade de arquitetura e urbanismo da usp e era conhecido pelo “pseudônimo” de “Manaus”, isso quando do Amazonas sabia apenas os afluentes das margens esquerda e direita. Foram os primeiros contatos com aquele que se tornaria um dos maiores escritores brasileiros contemporâneos: Milton Hatoum.

Depois disso, Milton correu mundo, escrevendo, estudando, lecionando, França, Espanha, Manaus, dando aula de francês na universidade federal do amazonas, escrevendo e escrevendo. Aí, surge o primeiro livro, surge é maneira de dizer porque ele reescreve obsessivamente, gestão e parto longos. “Relato de um certo Oriente”. Nunca terminei a leitura. E não por culpa do livro, porque é um belo exercício literário, construção, estilo, narrativa, tudo. Já conversamos uma vez e perguntei: Milton, o relato... eu começo e não consigo, no entanto, este “Dois irmãos” li em duas noites. Mudou o escritor? E ele respondeu: mudamos os dois, o escritor e o leitor.

Dois irmãos é um livro apaixonado e apaixonante. A vida na cidade de Manaus, as aventuras, a juventude, os sonhos, as buscas, Omar e Yakub, a Zana e o Halim, estamos todos ali, nos identificando, vivendo e sofrendo com seus personagens.

Milton é um ourives, um escultor de personagens, um construtor de romances. Só editou este livro, onze anos depois do Relato... Depois de décadas lendo alucinadamente, você começa a não se encantar com qualquer coisa. Até o paladar fica mais apurado. Então, agora só leio histórias nuas e cruas, que me pegam nas entranhas como um soco no estômago ou a paixão. “Dois irmãos” é isto.

O terceiro romance: “Cinzas do Norte”. Estava lendo com a mesma avidez de quem chupa uma manga, quando, não sei se estigma, karma ou as velhas confluências, aconteceu de novo: roubam todo livro do Milton que leio ou estou lendo, com dedicatória e tudo. E a história angustiante e bela de Lavo, Mundo, Alicia... me foi interrompida. Vou comprar outro. Aliás, acho que todo mundo que vive em Manaus deveria ter orgulho em ler os seus livros em vez de perder tempo lendo bobagens de auto-ajuda.

Só pra informar o leitor mais desavisado, os três romances de Milton Hatoum ganharam o prêmio literário mais importante do Brasil, estão publicados no mundo todo, até em grego.

Os invejosos que se mordam e adoeçam com o próprio veneno, mas Thiago de Mello, Márcio Souza e Milton Hatoum são os expoentes da literatura feita por aqueles que vivem ou nasceram no Amazonas. O Thiago com seus poemas cheios de esperança e liberdade, o Márcio com sua escrita instigante e irônica e o Milton com sua literatura refinada e grandiosa. Milton dá a parcela de contribuição à cultura brasileira que o Amazonas devia. Hatoum é Nobel.

dori carvalho
Enviado por dori carvalho em 19/05/2010
Código do texto: T2266315
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