A tapa

Aquela tapa foi um divisor de águas na minha vida, não pelo ato em si, mas por representar uma mudança conceitual. É verdade que mudanças são mais difíceis quando estão enraizadas dentro de nós por aprendizado cultural. Alías não foi uma tapa qualquer que havia levado, era para mim um ato de desrespeito, afinal fora ferido o meu ego. É como aquele personagem de uma novela, num canal que assisti há muito tempo, onde o personagem dizia: - Bateu levou. Logo depois de desferir a tapa de revide contra sua companheira que lhe havia aplicado um bofetão anteriormente.

. Num linguajar popular ouve-se assim: - Em rostinho que mamãe cuidou nenhum pilantra bate. Talvez porque o rosto tomou como parte da história em algo diferenciado. No caso as mulheres brigam assim, ou puxando cabelo, dando mordida ou tapas na adversária. Já quando muda para sexos opostos fica até um pouco mais desigual. Tapa vem, murro vai ainda bem que hoje têm a lei Maria da Penha, pois a força da mulher não é comparável a do homem, pelo menos não no sentido físico.

. Voltando à tapa inicial, ali parecia mesmo o fim do romance. E fazia sentido porque queria dizer algo que estava interno e foi explicitado violentamente. Como a própria pessoa que deu a tapa, no intimo ela já sofria vários tapas psicológicos e num ato de bravura se libertou do medo, das acusações.

. Eu que levara a tapa também de certa forma se libertara, porque eu merecia aquilo. Quantas tapas eu vi na infância na violência doméstica, quando meu pai chegava das farras e culpava minha mãe por não ter conseguido êxito com alguma amante. A dor ela não se explica como diz algum psicanalista por ai, se senti. Não se dói explicitada mente, mas descaradamente nos atos arragaidos de esperanças frustradas.

. A tapa mais dolorida é daquilo que amamos. Já pensou na cena do rapaz que está nas ruas se drogando e uma mãe no desespero da sua aflição ao tentar tira-lo desferre tapas na frente dos outros? Que humilhação. Afinal o que amamos?Gostamos de apanhar, como aquele refrão: tapa de amor não dói, ou aquele trecho da música da dupla Leandro e Leonardo: Entre tapas e beijos....

. Verdade mesmo é que a violência física está bem ligada a paixões fortes e passageiras. Olha a cena do casal no Motel: Mulher de lingerie preta de couro, chicote na mão, açoitando o "pobre" namorado. Ele no caso gemendo como fosse uma cadela e gostando. Depois os papéis se invertem e ele a esbofeteia (claro de leve) e diz: - Sua vagabunda toma na cara e ela grita:- Bate mais forte eu mereço.

. A loucura do momento faz com que não sintamos nada, você pode dizer que dói do mesmo jeito as dores são a mesmas. Será? Não sei, só sei que a intenção às vezes machuca mais que a ação. A tapa da paixão é uma maneira de sairmos do comum entrar no lírico, uma válvula de escape. Já a tapa do amor é dor sem fim, nele vem contida a quebra do respeito, ultrapassa o limite, vêm inflamados de ódio, têm seu ápice e nele o declínio do relacionamento.

. A palavra “tapa” que no espanhol é um aperitivo ou lanche, utilizado por coincidência para acompanhar a conversação das pessoas enquanto esperam o prato principal, pode ficar um tanto indigesta se no meio da mesma começarem ofensas e confluírem na tapa a lá brasileira, na cara da pessoa.

Carlos Emanuel
Enviado por Carlos Emanuel em 01/10/2010
Reeditado em 26/10/2015
Código do texto: T2532645
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