CRÔNICA #056: ESTOU REVOLTADO COM DEUS

Ele era um jovem hiperativo. Geralmente sisudo, calado e revoltado, 12 anos, estatura e aparência de 14. Mas era um bom garoto.

Lá pelo final de Março de 1990, encontrei o Edson* mais revoltado do que das outras vezes. Naquela época eu trabalhava junto com minha esposa como Diretor do Departamento Infantil de certa instituição religiosa, em certa cidade Brasileira. O Edinho mostrava o cenho fechado, olhar incisivo, de soslaio. Lábios entrombados, três rusgas entre as sobrancelhas. Estava impossível naquele dia.

_ “Bom dia, Edinho! Tudo bem?” _ , embora visse que algo não ia como se esperava.

_ “Bom dia nada, Pastor!” _ , responde o pequeno Edson, esticando mais ainda a tromba e olhando para o chão, fungando de raiva.

_ “Podemos conversar um pouco?” _ Recebendo um sinal positivo, convidei-o para se dirigir ao meu gabinete. Este ficava numa das primeiras salas do subsolo da instituição.

Sem relutar, o Edinho acompanhou-me, enquanto nos dirigíamos para o escritório. Entramos e o convidei para que sentasse numa cadeira em frente à minha mesa. Primeiro, procurei me lembrar de suas boas qualidades, elogiei suas excelentes notas, a maneira como se submetia aos seus pais e sua assiduidade na Igreja etc. Descobri que Matemática, Desenho, Ciências e Inglês eram as suas matérias prediletas o que me deu um ponto de vantagem, sendo também essas as minhas favoritas. Desenhamos juntos e falamos um pouco dessas matérias. Aos poucos o seu semblante se amenizou, embora ainda refletisse uma angústia que muito o marcava.

_ ”Muito bem, Edinho! Gostaria muito de ajudar você, mas se não quiser se abrir, não tem problema, eu vou entender. Mas o que é que tanto está incomodando a você? Por que essa tristeza toda?” _ , perguntei-lhe.

_ “Ah, Pastor! Estou decepcionado com Deus! Revoltado, mesmo!” _ , respondeu o Edinho, com lágrimas a brotar de seus olhos.

_ “Mas o que está acontecendo? Será que eu poderia lhe ajudar?”.

_ “Pode não, Pastor!” fala soluçando. “Infelizmente não pode.”

_ “Se você me contar, quem sabe? O que está acontecendo?”

_ “Ah, Pastor! Estou com ódio de Deus! Ele matou o nosso Zacarias de AIDS e agora os Trapalhões perderam a graça. Ele era tão bonzinho e tão divertido! Por que Deus foi fazer isso com a gente?” _ E desabou num choro bem sentido.

Tentei confortá-lo e explicar que Deus nada tinha a ver com o motivo da morte do Zacarias e que as coisas, muitas vezes acontecem por colhermos aquilo que plantamos e sofremos sempre as consequências dos nossos atos. Claro que tentei-me aproximar ao máximo da linguagem que fosse mais acessível para ele. O resultado foi ele fazer as pazes com Deus. Mas havia algo mais grave e mais profundo que o incomodava ainda mais e ele continuava triste e cabisbaixo.

_ "O que é que ainda está a incomodar você?"

_ “É que estou pensando em cortar o meu pinto fora assim que chegar em casa. Odeio esse troço aí embaixo, entre as minhas pernas!” _, falou isso em tom de extremo desespero e voltou a chorar e soluçar.

_ “Não diga uma coisa dessa, Edinho! Por que você pensa em fazer isso?” _, perguntei desesperado.

_ “Porque eu quero ser um bom menino, quero agir com santidade, mas essa treco aí só me faz pensar em coisas bem diferentes. Desde que eu acordo, o bicho já está lá de pé, bem esperto e me provocando. Então só penso em besteira. E falar em pensar, sempre que eu penso, o danado desperta e me incomoda pra caramba. Só arrancando fora essa coisa do diabo para me livrar de vez dessa tentação e ser mais santo!” _, desabafou o garoto.

Perguntei-lhe se os seus pais conversavam com ele sobre sexo e problemas da vida. A resposta foi _ "Nunca. Eles diziam que isso era coisa do diabo e que tudo levaria a pecar e ir de vez para o inferno." _ Pude entender a aflição do jovem. Como isso é possível? O pior é que encontramos casos semelhantes com muito mais frequência do que podemos imaginar.

Expliquei ao Edinho que tudo o que ele tinha não podia vir do diabo. Muito menos essas esquisitices que ele estava experimentando. Pois tudo não passava do processo natural que todos os meninos têm que passar. Disse ainda que tudo que vem de Deus é santo e bom. Ele não deixaria de ser santo e bom só porque sentia aquelas coisas. Era apenas o modo de Deus mostrar o seu cuidado por ele e demonstrar que tudo estava bem e que, a partir daquele dia ele não era mais uma criança, mas um adulto em formação. Por isso é que ele era um adolescente, que significa “em amadurecimento”. Logo, logo, ele seria homem formado e que tudo aquilo certamente passaria.

Falei-lhe ainda que deveria agradecer a Deus pelos órgãos genitais, convidei-o ali mesmo para que fizesse uma oração, agradecendo cada órgão que antes detestava, mas agora entendendo como uma grande bênção de Deus. E que nunca mais se sentisse culpado por tê-los, mas agradecido por não tê-los cortado fora.

Tentei ainda conversar com os seus pais, orientei-os sobre a maneira de como deveria conversar e orientar o seu filho e que não colocasse em seus ombros um peso que nem mesmo eles poderiam suportar.

O Edson saiu dali radiante e sem culpa. Feliz por ser normal e poder louvar e adorar a Deus, mesmo com tudo o que passava. Soube que todos nós um dia passamos por isso e que superamos numa boa.

Louvado seja Deus que nos faz triunfar em Cristo Jesus!

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(*) Nome fictício para preservar a identidade da personagem, pois trata-se de um caso real.

Alelos Esmeraldinus
Enviado por Alelos Esmeraldinus em 26/03/2011
Reeditado em 03/10/2013
Código do texto: T2871456
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