Crônica VIII: A Mochileira Tupiniquim Cruzando a Iugoslávia

A Mochileira Tupiniquim Cruzando a Iugoslávia

Ana Esther

Esta aventura histórica começa num trem que, tendo partido de Zurique na Suíça, cruzava agora a Iugoslávia inteira no verão de 1989 com destino final em Atenas, na Grécia. A Mochileira Tupiniquim perdera-se nas matemáticas e calculou que a viagem duraria 24 horas ao invés das 50 horas que levaria na realidade.

Lá pela metade do trecho, acabou a comida, o calor beirava os 50oC, a água escasseara... uma viagem daquelas! Não fosse o bate-papo com pessoas divertidas que chagavam e partiam ao longo das intermináveis 50 horas seria um caos. Um desses viajantes foi um rapaz muito alegre e entusiasmado que entrou no trem na altura de Kosovo, norte da Iugoslávia e sentou-se no mesmo compartimento da Mochileira Tupiniquim. Quando ele descobriu que ela era brasileira... nossa, a conversa foi quase toda sobre futebol! E não é que ele conhecia até o time do coração da Mochileira, o Grêmio de Porto Alegre?!

Em Belgrado, os dois desceram juntos na estação com garrafinhas plásticas na mão para enchê-las de água num bebedouro, o calor era escaldante. Retornaram ao seu vagão e prosseguiram conversando pelos cotovelos. Até que chegou a hora do rapaz descer, antes da fronteira com a Grécia, ele estava em férias da Universidade e iria visitar parentes. Trocaram endereços (não existia e-mail em 1989!!!).

A Mochileira Tupiniquim viajou o que deu pela Europa e quando voltou ao Brasil, árdua tarefa: colocar em dia a correspondência com os novos amigos do mundo inteiro! É claro que trocou várias cartas com o amigo iugoslavo... até que veio a guerra. No início, ele podia receber e enviar cartas pois seu pai era funcionário dos correios. Contudo, um dia chegou a última carta, foi a última pois nunca mais a Mochileira recebeu notícias do amigo, sem respostas ficaram as inúmeras cartas que ela lhe enviava em vão. Coisas da guerra.

Coisas da internet. Passaram-se 19 anos e a Mochileira quase teve uma síncope. Navegando numa rede social, ela depara-se com um milagre, um convite daquele amigo do trem na extinta Iugoslávia, ele a convidava para ser seu amigo na famosa rede social. E o bate-papo recomeçou como se nunca houvesse sido interrompido por 19 anos... ou por uma guerra das mais cruéis.

*Escrevi esta crônica em 31/07/2011, muito emocionada ainda por descobrir que o meu amigo, no final das contas, não morrera na guerra como imaginei por tantos anos... uma homenagem a nossa amizade!