a mulher e o trem


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Duas horas da madrugada. Chegara o momento em que o trem passava perto da sua casa fazendo-a tremer como se estivesse com calafrios de febre. 

 

Os móveis haviam sido arrumado e rearrumados tantas vezes que perdera a conta. 

 

Tudo, no intuito de não se estragarem durante os sacolejos. 

 

Apenas a cama de casal ela não mudara de lugar pois onde estava, o sacolejo era tão gostoso que acordava o marido excitado e assim, sempre podia contar com esta ajudinha já que ele andava se queixando de cansaço e com isto não cumpria direitinho os deveres matrimoniais. 

 

Abençoada ferrovia, falava para si mesma, agradecendo a Deus  por ela existir ali, tão pertinho...

 

Com o passar do tempo novos projetos surgiram para a cidade e com estes, a mudança da ferrovia para um local mais afastado do casario. 

 

Ela que não saía quase nunca nem gostava de ler jornais ou ouvir rádio, estava por fora de tal notícia que punha a todos em alvoroço. 

 

O marido, um caladão de marca maior, não se deu ao trabalho de informá-la, até porque sentiu-se um pouco aliviado, pois assim iria dormir a noite toda sem aquele sacolejo infernal.

 

Os dias foram passando na rotina habitual até que uma noite o sacolejo atrasou-se, atrasou-se tanto que não aconteceu. Ela levantou pela manhã com os olhos machucados pela noite sem dormir enquanto o marido todo faceiro mostrava uma cara dez anos remoçada.

 

As noites que se seguiram foram as piores da sua vida, até então. Nada acontecia a não ser o ronco do marido que, ao seu lado na cama, revirava-se de um lado para o outro quase a derrubá-la enquanto ela revolvia-se na espera ...

 

Assim foi pelas noites seguintes até que, após muitas e muitas noites, sem sacolejos e sem ser procurada pelo marido ela se encheu de coragem e, numa bela manhã depois de passar a noite em claro, enchendo-se de coragem perguntou-lhe:

 

 - Marido?que aconteceu que você não me procura mais?  já não me ama?

 

 _ Amo sim, claro que eu lhe amo e lhe procuro, mas você é que não acorda...também pudera, você só me queria quando a cama sacolejava...

 

Não contestou nem argumentou, sabia que não adiantaria até porque o marido era daqueles que só ele está com a razão.

Roendo as unhas de raiva, virou-se para o outro lado e adormeceu na esperança de que um dia alguém resolvesse trazer de volta a bendita ferrovia para perto da sua casa, ou quem sabe o marido resolveria mudar-se para perto de onde ela estivesse... 

 

Enquanto isto não acontecia, ela cerzia meias e pregava botões a fim de preencher as suas noites de insônia  vendo o marido  a roncar como se fosse as trombetas do apocalipse...resmungava sozinha !


 

soninha

 

 
Sônia Maria Cidreira de Farias
Enviado por Sônia Maria Cidreira de Farias em 31/10/2011
Código do texto: T3307922
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