Os 10 melhores livros de crônicas que li em 2011

10. Aprendendo a Viver - Clarice Lispector

Ainda que ela mesma discorde, Clarice fez crônicas. E por mais que diga não gostar de falar de si, suas crônicas são tão autobiográficas como as de qualquer outro escritor. A sutileza está na inocência e na fragilidade de Clarice - que em todos os seus textos parece ser a mesma menina sofrida da infância no Recife. Isso rende cenário vivos. Somos tocados pela sua beleza. Mas Clarice não precisa que a tentem colocar no pedestal de um gênero que é feito ao rés-do-chão - e não é demérito publicar em jornal, como sugere a orelha do livro. Clarice não precisa que a tentem deixar mais bonita - em geral, estraga.

9. Tia Zulmira e Eu - Stanislaw Ponte Preta

Stanislaw é daqueles cronistas que quase não existem mais. Gente que não se preocupa em dar pareceres técnicos sobre a realidade. Sua arma é o riso, a piada, a galhofa. Flagrar um instante do absurdo. Criar personagens - ele próprio personagem de si mesmo - e colocá-los para vivenciar situações inusitadas. E só então desvendar um pedaço do mundo real. É um livro daqueles que se lê mais pra se divertir do que outra coisa. Mas mal não há em se atentar às críticas insinuadas aqui e ali. E na condução da narrativa, um cronista tão ágil e habilidoso com as palavras como só um humorista consegue ser.

8. Comédias da Vida Pública - Luis Fernando Veríssimo

É o livro em que Veríssimo fala a sério, principalmente nas primeiras crônicas. Os textos começam no final dos anos 60 e terminam no meio dos anos 90. Nem sempre é possível entender as referências históricas do cronista, e em vários textos foi necessário um apêndice de contextualização - que nem sempre adiantou. Mas à medida em que os anos prosseguem, e os episódios e personagens da vida pública se tornam mais conhecidos, Veríssimo vai também aumentando as doses do humor que o consagrou. O resultado final é agradável, com especial destaque para os diálogos envolvendo figuras políticas.

7. Ungáua! - Ruy Castro

Famoso pelas biografias, Ruy pode tranquilamente ser citado como um dos nossos grandes cronistas vivos. Seus textos, menores do que a média, são cheios da ironia que dá sabor ao gênero, quando bem escrito. Ruy se mostra atento aos acontecimentos ao seu redor, e particularmente ao noticiário - desde Machado de Assis, a melhor fonte para a crônica. Mas também aproveita para dar pitadas do seu conhecimento musical, desfazer alguns equívocos históricos e também falsas impressões sobre o Rio de Janeiro de hoje. E tudo isso com firmeza, clareza e muito pouco senso-comum.

6. Vossa Insolência - Olavo Bilac

Quem conhece o Bilac apenas pelo seus poemas parnasianos, provavelmente se surpreenderá com o autor desse livro. Nele, Bilac se mostra um cronista altamente combativo, capaz de fazer duras críticas ao Rio de Janeiro, a própria cidade em que morava. Isso não significa que não gostasse de morar lá, ao contrário: usava os seus textos para defender causas que julgava necessárias para que a cidade pudesse ter uma vida mais digna. Chama a atenção a sua percepção social e a sua capacidade de indignação em episódios que também fornecem a possibilidade de comparação com a realidade de hoje.

5. Alguém que já não fui - Artur da Távola

Artur da Távola era um incompreendido, como acontece com todos os que vivem antes do seu tempo. Suas crônicas são análises sociológicas, existenciais e comportamentais feitas com uma serenidade e precisão espantosas. Consegue flagrar com rara felicidade as pequenas sutilezas das tensões do nosso cotidiano. E ao tentar explicá-las, Artur promove um bom exercício de auto-conhecimento, geralmente concluído de maneira positiva, incitando o leitor a uma nova tomada de posição. Não é exatamente um livro fácil, mas as reflexões que promove o tornam particularmente bonito, inspirador e esperançoso.

4. Seja Feliz e Faça os Outros Felizes - Antônio Maria

Antônio Maria só não é mais conhecido entre os melhores do gênero porque morreu cedo. Nesse livro, eles nos pega pelo humor, e um humor daqueles que nos deixam desnorteados, de tão certeiro - não é a gargalhada, mas "o humor de canto de boca", como diz a orelha. É digna de nota a sua relação com leitores, especialmente os que pediam seus serviços de conselheiro sentimental. Maria parece se divertir escrevendo, ao mesmo tempo que esconde suas angústias num mundo de franquezas em que pouca gente tem uma coisa boa a dizer. Faz humor poético, confessional, parecendo desejar um tipo de amor que quase não há.

3. A Menina sem Estrela - Nelson Rodrigues

Nelson Rodrigues é aclamado como teatrólogo, contista e cronista esportivo. Mas as suas memórias, relatadas em forma de crônicas, e iniciadas neste livro, são suficientes para colocá-lo também entre os grandes do gênero de Rubem Braga. Nelson é criador de um estilo, marcado pela extrema agilidade da linguagem, por um intenso fluxo de ideias e, naturalmente, pelas frases de efeito. E em "A Menina Sem Estrela" enxergamos uma sinceridade incomum nos relatos autobiográficos, com Nelson não hesitando em revelar deslizes morais da sua vida no teatro, por exemplo. Em muitos momentos, também é emocionante.

2. O Luar e a Rainha - Ivan Lessa

Outro cronista atento ao noticiário, Ivan Lessa traz, lá de Londres, um olhar aguçado sobre os episódios internacionais dos anos 2000 a 2004 - ou seja, revemos, em textos tão bem-humorados quanto críticos, o 11 de Setembro e depois a Guerra do Iraque. A isso, somam-se os textos em que mergulhamos nos fait divers, nas pesquisas e estatísticas insólitas, das quais Lessa sempre extrai alguma piada e, se formos ver bem a fundo, o questionamento das lógicas da imprensa. São textos curtos, mas bastante precisos, com domínio das palavras. E que ainda favorecem a troca de impressões entre Brasil e Inglaterra.

1. O Óbvio Ululante - Nelson Rodrigues.

Embora seja parte de suas memórias, "O Óbvio Ululante" é o livro de um cronista contemporâneo, bastante interessado nas tendências do Brasil em que vivia - aqui estão vários textos que contribuiriam para sua fama de reacionário. Suas crônicas são densamente povoadas. Há citações para todos os lados, e algumas obsessões, como Dom Hélder Câmara e Hélio Pellegrino. Seu estilo seco é bastante envolvente e não deixa muito espaço pra indiferença do leitor. Também é um livro divertido, repleto das sacadas que fizeram de Nelson um grande frasista. E a rabugice do autor acaba tornando-o até mais simpático.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 16/12/2011
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