2012, CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE NELSON RODRIGUES

Circula na internet um curta-metragem inédito denominado “Fragmentos de Dois Escritores” (1969). O filme mostra as experiências de dois escritores importantes, o brasileiro Nelson Rodrigues e o norte-americano Edward Albee, ambos escrevendo sobre as sociedades em que vivem.

Como bem lançado pelo jornalista Ruy Castro, biógrafo de Nelson Rodrigues e colunista do jornal “Folha de São Paulo”, o filme mostra cenas inéditas de um Nelson Rodrigues na maturidade de sua carreira. Dentre tais cenas, podemos citar Nelson Rodrigues, com sua voz pastosa, filosofando e debatendo na Grande Resenha Facit (primeira mesa redonda do futebol brasileiro); assistindo à seleção brasileira no Maracanã e, ainda, no seu apartamento em Copacabana, fumando o indefectível “caporal amarelinho” (cigarro que ironicamente denominava de “mata rato”), bem como tomando a sua “papinha” para a úlcera (que dizia adular como a um animal de estimação).

Como é sabido, o ano de 2012 marca o centenário de nascimento de Luiz Gonzaga, o qual será inclusive tema do desfile carnavalesco da escola Unidos da Tijuca. Contudo, ao lado da efeméride pelo centenário do Rei do Baião, podemos acrescentar que, neste ano, também ocorrerá o centenário do nascimento de Nelson Rodrigues, genial e controverso jornalista, dramaturgo e escritor pernambucano.

Nelson Rodrigues nasceu no Recife, em 23 de agosto de 1912. Filho do jornalista e deputado Mário Rodrigues, muito cedo se mudou para o Rio de Janeiro com a família, por problemas políticos envolvendo o seu pai. Com apenas 13 anos iniciou a sua carreira como repórter policial, dramatizando os pequenos acontecimentos cotidianos, os crimes de amor e adultério, no que seria a fonte nascedoura dos seus famosos contos e romances vindouros, ambientados nos subúrbios cariocas e desveladores da alma humana.

A vida de Nelson Rodrigues é marcada por tragédias, o que certamente influenciou toda a sua obra literária. O seu irmão Roberto foi assassinado, sobrevindo – poucos meses depois – a morte do seu pai. Seguiu-se que o jornal da família (“A Crítica”) foi fechado por razões políticas, após a ascensão de Getúlio Vargas ao poder (o jornal adotara posição política contrária à Revolução de 1930). A família entra num longo processo de decadência financeira e Nelson – que desde pequeno se dizia “um triste” – descobre-se tuberculoso, tendo sido diversas vezes internado no Sanatório de Campos do Jordão (relata que, aos 21 anos, teve todos os dentes arrancados num anacrônico tratamento contra a febre da tuberculose). Conseguiu superar a tuberculose, contudo Joffre, outro irmão, falece vitimado pela doença.

Neste período difícil, sobressai a figura do seu irmão, Mário Rodrigues Filho, jornalista esportivo (criador do termo “Fla-Flu e cujo nome é dado ao estádio Maracanã), jornalista e amigo de Roberto Marinho, que dá a Nelson um emprego de repórter no jornal “O Globo”.

Nelson inicia a sua carreira de dramaturgo com a peça “A mulher sem pecado”, de 1941. Dois anos depois, sobreveio o grande sucesso com a peça “Vestido de Noiva”, dirigida por Zbigniew Ziembinski, polonês fugido da Segunda Grande Guerra. Complexa e desenvolvida em vários planos, a peça foi um sucesso de crítica e público, levando o autor ao reconhecimento artístico. Sua peça seguinte, “Álbum de Família” foi censurada e somente liberada vinte anos depois. Escreveu mais de uma dezena de peças.

Em 1950, Nelson vai trabalhar no jornal “Última Hora”, de Samuel Wainer, e inicia sua coluna diária de grande sucesso, “A vida como ela é”, contos trágicos que envolviam sexo, adultério, violência e morte, os quais acabaram por lhe valer a alcunha de “tarado” e autor maldito. Também escreveu romances contemporâneos como “Engraçadinha”, “Asfalto Selvagem” e “O Casamento”, nunca fugindo à sua temática.

Por fim, não esqueçamos o cronista dos acontecimentos contemporâneos e esportivos que foi Nelson Rodrigues. De 1950 a 1980, suas crônicas – publicadas quase diariamente – desnudam muitos aspectos do Brasil contemporâneo. É de Nelson frases como “o brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem”, criticando o complexo de vira-latas do brasileiro, quando a seleção perdeu a Copa de 1950 para o Uruguai. Foi ele também quem primeiro apelidou Pelé de Rei. Torcedor fanático do Fluminense, criou expressões famosas no futebol como “Sobrenatural de Almeida”; “O Fla-Flu surgiu quarenta minutos antes do nada” e “A bola tem um instinto clarividente e infalível que a faz encontrar e acompanhar o verdadeiro craque”.

Se na obra literária Nelson era avançado demais para o seu tempo, na seara política era um conservador controverso, criticava os “idiotas da objetividade” e dizia que “hoje, o sujeito prefere que lhe xinguem a mãe e não o chamem de reacionário” (não por acaso denominou a sua autobiografia de “O Reacionário”). Anti-comunista convicto, acabou por defender o golpe militar de 1964 (“a liberdade é mais importante do que o pão”). Nelson acabou por atrair grande antipatia da classe artística e literária, sendo exilado dos meios intelectuais, dominado pelas esquerdas. Posteriormente, desiludiu-se com o regime militar, mormente quando teve o filho preso e torturado. No entanto, nunca cedeu nas suas convicções conservadoras, atacando sempre na sua coluna as “amantes espirituais de Stalin”, os “padres de passeata” e a “esquerda festiva” (aquela que criticava o regime capitalista, tomando um bom scotch 12 anos).

Faleceu na manhã de 21 de dezembro de 1980, um domingo. No final daquele dia, acertaria – junto com o irmão Augusto – os treze pontos da loteria esportiva (eis aí o Sobrenatural de Almeida).

No centenário de Nelson Rodrigues, é importante ressaltar a obra literária, teatral e jornalística desse genial e polemista pernambucano, que – tal qual Antônio Maria – adotou o Rio de Janeiro como cidade e, gostem ou não, marcou época de forma indelével.