Crônica XV - Trem para Budapeste

Trem para Budapeste

Ana Esther

Verão (europeu) de 1989... e a Mochileira Tupiniquim embarca novamente no trem com seu passe que incluía a Hungria dentre os países abrangidos pelo itinerário comprado. Bastava entrar no trem, mostrar o passe ao fiscal, acomodar-se em seu compartimento de segunda classe (ou classe turística, se o leitor preferir) e seguir viagem, fácil, fácil!

Fácil mesmo era puxar papo com os companheiros de compartimento, a maioria eram estudantes como a Mochileira e com objetivos bem semelhantes, conhecer ao máximo as belezas da Europa e sua cultura múltipla e travar novas amizades. Batendo papo então em várias línguas o tempo voava e quando ela menos esperava já estava chegando ao próximo destino, desta vez a Hungria.

A Hungria de quatro meses antes da queda do Muro de Berlin... Passada a fronteira, o trem seguiu seu caminho até a primeira estação. Quando ali parou, ninguém desceu. Subiram policiais húngaros armados para fazerem o controle dos vistos em passaportes. A operação foi um tanto demorada pois todos os passageiros deveriam mostrar seus documentos.

A Mochileira Tupiniquim, tranquila, segurava seu passaporte e o passe do trem esperando por sua vez. O soldado que a atendeu em húngaro, trocou para o alemão e depois para o russo sua fala para dizer algo à Mochileira que não compreendera nada do que ele dissera até então. Resultado, ele fez com que a Mochileira levantasse de seu assento e num inglês desesperador repetia: “Out the train! Out the train! Out the train!”

Apavorada a Mochileira Tupiniquim tentava explicar em inglês e em francês e em total terror, em português, sempre em vão, que ela podia entrar na Hungria com o passe de trem que comprara... Nada convencia o soldado... Só restou à Mochileira pegar sua mala, que ele já havia retirado do bagageiro, e lhe entregava e segui-lo pelo corredor para fora do trem.

Para alívio da Mochileira Tupiniquim ela não fora a única a passar por aquele susto. Um montão de gente desceu do trem também. Um rapaz com roupas de árabe apiedou-se da coitada e ofereceu-se para carregar sua mala pesada... Nisso, um americano falando um inglês bem compreensível para a ela também percebeu seu completo estado de pavor e explicou tudo. Todos que haviam descido do trem deveriam ir até à fronteira pedir o Visto de entrada... só isso, fácil, fácil!

Na estação a Mochileira Tupiniquim e o Wilbur, o americano, comentavam o ocorrido quando um motorista de táxi os convidou para dividirem a corrida com mais dois turistas que também necessitavam de visto. Uma vez na fronteira, o motorista ficou esperando até que todos tirassem fotos, pagassem as taxas, preenchessem as fichas, aguardassem a preparação dos documentos... e finalmente, obtivessem o tão almejado Visto sem maiores problemas.

Aí, todos retornaram à estação de trem com o motorista salvador da pátria, bem acostumado com as idas e vindas até a fronteira. Mais sossegada, a Mochileira Tupiniquim, que não contava com aqueles gastos extras, aceitou o convite do Wilbur para um café no bar da estação. Nada melhor do que um bom cafezinho e um bate-papo. Há confusões que vêm para bem (ou como diriam turistas mais espiritualizados: nada acontece por acaso), dessa forma puderam combinar de hospedarem-se no mesmo Albergue da Juventude na bela Budapeste!