EDUCAÇÃO ARTÍSTICA

Por Vicentônio Silva

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Sempre tive problemas nas aulas de Ciências, de Educação Física e de Educação Artística.

Quando a professora de Ciências – tive muitas, desde as mais atraentes até às menos amadas – entrava na sala segurando cadernos, livros, bolsas, cadernetas de chamada, papéis, giz e apagador, sabia que minha vida se transformaria em inferno nos quarenta e cinco ou noventa minutos em que – estratégias habituais de transmissão de conhecimento – desenharia esquemas complexos da digestão dos peixes. Embora morasse numa cidade praticamente praieira, não entendia – e continuo sem entender – os motivos que me levavam ao sistema digestivo do animal que sequer acompanhava-me nas refeições. Saí do ensino fundamental, entrei no médio, concluí o superior sem assimilar as atividades piscianas, bactérias, moluscos, reino monera e mariposas mortas em decorrência da poluição na Inglaterra.

Outra matéria que me tirava a paciência: Educação Física. Busquei artifícios convincentes para fugir das aulas, entretanto obrigavam-me a entrar na fila rumo à quadra de esportes de onde voltava cansado e entediado uma hora e meia depois de assistir aos jogos dos meninos e de testemunhar as confissões dos primeiros prazeres labiais de minhas colegas. Como em todas as escolas – públicas e particulares – os tempos de treinos em busca de resultados satisfatórios transformavam-se em mera recreação semanal. Nada aprendi das regras dos esportes. De modo que, nas copas do mundo, “tiro de meta”, “escanteio” ou “impedimento” são termos desconhecidos.

Ciências e Educação Física constituíam matérias nas quais ainda poderia aplicar métodos retóricos para driblar os professores. Aplicaria idênticos métodos em Educação Artística se, no fim do primeiro bimestre, a professora não tivesse imposto calendário por meio qual exigisse, a cada sexta-feira, cópia simétrica proporcional das bandeiras do Distrito Federal e dos vinte e seis estados seguidos, de perto, das dos países das Américas, alertando-nos sobre as semelhanças entre as cores originais e as que pretendíamos transpor às obras de arte de nossa lavra.

Régua e compasso: dois monstros que me metiam medo. Vez por outra desenhava casas em papéis de rascunho utilizando, para tanto, a ajuda de réguas de trinta e de vinte centímetros. Por mais que me esforçasse e contasse exaustivamente os centímetros, os quartos, os banheiros, as salas, as cozinhas, os escritórios e as bibliotecas nunca saíam do tamanho desejado. Se, régua em punho e no sossego de minha casa, meu fracasso mostrava-se estrondoso, o que dizer das tentativas sob pressão?

Enquanto meus amigos pulavam de alegria com as notas variando entre nove e dez, eu, envergonhado e aflito, dobrava meu caderno antes que meus seis e meio, seis, cinco ou quatro pudessem ser vistos de maneira mais clara pelos colegas. Conforme previra desde o início das atividades de pintura, cheguei ao fim do segundo e do terceiro bimestres com notas vermelhas e consciente de que entraria na prova final. Já imaginava as desculpas a fim de escapar das cacetadas paternas que, sem dúvida, não engoliriam as explicações de dificuldades.

Esforcei-me o quanto pude. Alguns colegas chegaram a ajudar-me, mas minhas bandeiras se distanciavam do ideal mínimo aceitável. Quase sete meses após o início da jornada, o coração disparava ao fim das sextas-feiras quando minha condenação parecia acertada. No último dia de aula, a professora de Educação Artística entregou-nos papel em branco com a finalidade de projetarmos desenhos livres. Uns iniciaram a configuração de casas simples; outros, de paisagens cheias de nuvens brancas, céu azul, árvores verdes, frutas variadas, animais diversos. Entre o desespero pela penalização paterna e a convicção de derrota pela incapacidade de, à semelhança dos outros alunos, desenhar casas ou campos, peguei quatro ou cinco vidrinhos de tinta guache, embaralhei-os integralmente na página em branco – mas respeitando as quatro linhas de limites – e, meio corajoso, meio despeitado, integralmente desesperado, entreguei o trabalho à professora que, diferentemente do que imaginara, abriu um sorriso: - Finalmente vejo uma obra de arte!

*Publicado originalmente na coluna Ficções, Caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 9 de novembro de 2012.