A Parada Mello (1)
 
- Temos de descer na "Parada Melo", adianta o Dr. Armando. O meu amigo Vivaldi explicou-me que a estação é um complemento do hotel. Da plataforma, entra-se imediatamente num dos salões
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Entram todos para um salão unido à plataforma - caso único na América do Sul - uma estação que faz parte de um hotel!

(C. Garden, no romance "Uma vilegiatura em Lambari") *

 
Aguinhas, numa manhã do início dezembro de 1962.
 
Passava pouco das dez horas quando solavancos e rangidos de freios o acordaram mais uma vez. Estava cansado, mal dormido e agastado com aquele trem desconfortável da Rede Mineira da Viação-RMV – não obstante viajasse na primeira classe – e com as inúmeras paradas e baldeações que consumiram uma noite e parte da manhã no trajeto entre São Paulo e Aguinhas. Não quisera correr o risco de vir de ônibus ou de automóvel, em razão das fortes chuvas que castigavam a região Sudeste naquele final do ano, especialmente a Serra da Mantiqueira. Além disso, tinha compromissos importantes na cidade, que deveriam ser concluídos nessa viagem, que pretendia fosse a última do ano, antes das festas e das férias de janeiro, que seriam especiais, como prometera à linda mulher, com quem se amancebara recentemente. Afinal, fora um ano de sucesso, vendas bem acima das metas, três “contratos de exclusividade”...

Aguardou impacientemente as bagagens, pois embora poucos fossem os passageiros que desciam naquela estação – Parada Melo, ele pôde ler na chegada – suas malas eram numerosas e abastadas. Quando, enfim, essas foram aviadas, o carregador lhe pareceu lento demais. Irritado, foi esbravejando: – Vamos, vamos, depressa! Eu tenho compromissos urgentes! –, enquanto batia a bengala encastoada no carro de rodas empurrado pelo maleiro.

A parada dava acesso ao Hotel Imperial, onde se registrou apressadamente, instalando-se num apartamento de frente, no último andar. Após acomodar as bagagens, abriu a janela – e contemplou a bela paisagem que ao fundo o Cassino e o Lago Guanabara lhe ofereciam.

Um cartão postal europeu!
– exclamou. Ah, Europa! No próximo ano hei de estar por aí! – pensou consigo mesmo.

Então, respirou fundo o ar fresco e úmido daquele resto de manhã e procurou se acalmar, tentando programar mentalmente seu dia de trabalho. (**)

O trem da R.M.V. passando pela Parada Melo - anos 1960
(*) JARDIM, Conceição [GARDEN, C.] Uma vilegiatura em Lambari: expressões da vida e de algumas vidas de 1943. Rio de Janeiro : A Noite, 1943. (a)

(**) Essa pequena narrativa registra em livro um instantâneo da história de Lambari - a chegada de veranistas à Parada Melo, que dava acesso à portaria do Hotel Imperial.
Atualmente, o trem, a Parada Melo e o Hotel Imperial não existem mais... Da parada, restou apenas a fachada; o hotel é hoje um condomínio.

 
Confira neste link: http://www.estacoesferroviarias.com.br/rmv_cruz_jureia/parmelo.htm
Leia também estas crônicas: 

- O trem de Aguinhas -  http://www.guimaguinhas.prosaeverso.net/visualizar.php?idt=4283047

Taquinagens na linha do trem - http://www.guimaguinhas.prosaeverso.net/visualizar.php?idt=4367934

(1) Este texto faz parte do livro Os Curadores do Senhor, ainda inédito. Informações sobre esse livro estão neste link: http://www.guimaguinhas.prosaeverso.net/visualizar.php?idt=4268569