SOBRE LAÇOS E NÓS

 
 
Sempre fui uma sonhadora. Uma otimista. Uma pessoa que acredita, demasiadamente, no ser humano. Que prefere ver o melhor das pessoas e detesta generalizações, rótulos.

Sempre procurei fugir das verdades prontas, das certezas limitadoras, do fundamentalismo, seja religioso, ideológico ou qualquer coisa que o valha.

Talvez por isso esteja tão angustiada com o que vejo, leio e ouço. 
Tenho a sensação que estamos perdendo a capacidade de criar laços, relacionar-se com o outro, dialogar. Ouvir o que ele tem a nos dizer, queremos apenas impor nosso pensamento, nossa verdade, não estamos dispostos a corrigir nossas afirmações, repensar nossas opiniões, voltar atrás em nossas certezas.

Sinto que estamos apertando nós. Costurando redes de isolamento. Construindo uma sociedade cada vez mais violenta. Intolerante. Não precisamos mais da história, da filosofia, das ciências ou mesmo da religião e/ou literatura para nos ajudar a entender o mundo. Basta-nos as "notícias" plantadas nas redes sociais, manipuladas pela mídia. As suposições substituem as pesquisas, a busca da verdade.

 
Todos nós nos tornamos, a partir de leituras rasas, especialistas em seres humanos. Esquecemos que o ser humano é um universo ilimitado que ninguém consegue, sozinho, explicar, entender ou desvendar em sua completude.
 
Desaprendemos a arte do diálogo verdadeiro. O diálogo capaz de nos fazer sair da “opinião verdadeira para verificada” (Sócrates). O diálogo revestido de uma energia transformadora onde todos estão dispostos a ouvir e serem ouvidos. O diálogo que oferece abertura para o novo. Sem abertura não acontece a conexão necessária para “unicidade que tudo conecta” (Tomás de Aquino). Um diálogo que exige dos interlocutores um desdobramento interior capaz de criar a harmonia que alarga os horizontes e abre o coração para um novo olhar, uma nova capacidade de ver e compreender o homem e, portanto, o mundo.
 
Longe deste diálogo estamos criando identidades assassinas, desumanizando as relações, excluindo e marginalizando os que pensam e agem diferente de nós. Estamos envolvidos numa guerra psicológica, onde aqueles que não se enquadram em nosso modelo podem ser mortos, violentados, que isso não altera nossa rotina. Estamos, cada vez mais, caminhando, a largos passos para uma sociedade mecânica. Técnica. Demasiadamente desumana.
 
Assistimos, paralisados e/ou aplaudindo, linchamentos públicos. Respostas extremamente violentas a ações tão violentas quanto. É a resposta dos “justiceiros” a ausência do Estado de Justiça. Linchamentos são rios que transbordam. Enchentes das pequenas criminalidades diárias. É o resultado da violência de todos os dias reprimida dentro de cada um de nós.
 
Estamos substituindo o pensamento crítico pela busca de culpados, o que nos isenta da responsabilidade e da necessidade de percebemos que o outro é, também, o "eu" em outra dimensão. Encontrar culpados nos absolve de nós mesmos.
 
Estamos perdendo o hábito de abraçar, de olhar o outro nos olhos, de andar de mãos dadas e privilegiando, cada vez mais, o olhar endurecido, o dedo acusador apontado em direção do outro, o punho cerrado. Vamos, pouco a pouco perdendo a capacidade de nos relacionarmos com o outro e conosco. E nenhuma violência é maior que sermos condenados a viver com medo. Do outro e de nós.
 
Desmanchamos os laços que nos unia a humanidade para criar nós nos torna escravos de nós mesmos.


 
Este texto faz parte do Exercício Criativo - Nós de Nós
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Ângela M Rodrigues O P Gurgel
Enviado por Ângela M Rodrigues O P Gurgel em 10/03/2014
Reeditado em 15/03/2014
Código do texto: T4722799
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