"AGORA EU SOU UMA ESTRELA"

Não há que perder o brilho o astro de luz própria, assim como no espaço e tempo infinitos fulguram eternas estrelas. Por capricho da arte e o esmero a burilar-lhe o talento, só mesmo na magia do espetáculo Elis Regina personificou o "Falso Brilhante", que a fez declarar: - “Agora eu sou uma estrela”. Mas não era só dali que lhe surgia o brilho. Era o auge do brilhante real da voz com que ela, desde cedo, iluminava os palcos da vida. Antes da estrela, nascera a centelha ascendente, cuja luz acendeu e brilhou mais alto em meio a uma constelação em que outra se despontara e já distante se via o brilho: Dalva de Oliveira.

Outra, em pleno esplendor, serviu-lhe de espelho: Ângela Maria, a quem Elis Regina, antes de encontrar o caminho iluminado com a própria luz, confessou tê-la imitado. Tão cedo desta vida que a levou na década em que cheguei, o que sei do brilhantismo dessa estrela contou-me sua biografia. Mas a discografia dela, inteira e cuidadosamente remasterizada, desperta o mesmo interesse e realça o mesmo brilho na memória musical que a mantém viva. Elis ainda canta. É a única cantora cuja lembrança o tempo não apagou, como o fizeram ao calar a voz de outras divas que se foram ou ainda estão entre nós. A Elis dos festivais, do Fino da Bossa e da voz privilegiada, aprimorou-lhe a técnica. Aperfeiçoou o tom grave e refinou-se após os agudos gritantes do Arrastão. Cercou-se de grandes compositores, músicos e arranjadores a rebuscar-lhe o repertório, tornando-se uma cantora completa, que dava às gravações, e no palco, interpretações definitivas. Sabia colocar a voz com emissão adequada à suavidade de um pianíssimo ou à extensão máxima de um agudo com perfeita sonoridade. Não era cantora de um só gênero ou ritmo. O domínio vocal permitia-lhe todos os desafios. Da ousada “Travessia” à inovadora e também dificílima dicção de “Águas de Março”; da bucólica “Casa no Campo” ao balanço de “Madalena”; Do surpreendente tango “Cabaré” ao compasso dos boleros "Dois pra lá, dois pra cá"
, ” e “Bolero Satã”, este com a participação de Cauby Peixoto. Elis deixava os percussionistas enlouquecidos com a divisão rítmica, de que “Cai dento” é um dos exemplos. Emocionou o Brasil com a interpretação de “Romaria”. Primeira cantora brasileira a cantar blues em português: “Vinte anos blue”. Em “Falso Brilhante” superou muitas intérpretes e a si mesma, cantando Gracias a La Vida” e "Los Hermanos". Num disco antológico, gravado com Tom Jobim nos Estados Unidos, Elis usou e abusou do recurso vocal e qualidade técnica. Confira-se “Retrato em Branco e Preto”, um temível desafio à afinação. Enfim, quem acompanhou a trajetória dessa estrela e conhece-lhe o repertório ou (como eu, dela coleciona CDs e até alguns DVDs) sabe por que a “pimentinha” Elis, não sendo a maior, tornou-se a melhor cantora.

Hoje, 17 de março, lembra-se o aniversário de nascimento de Elis Regina. Ontem, o programa Fantástico exibiu cenas de um musical em homenagem a ela. Mais uma tentativa longe de alcançar o inatingível brilho da estrela. Noutros espetáculos Zezé Mota fingiu ser a Divina Elizeth Cardoso, Adriane Esteves, (dublando), só fez trejeitos de Dalva de Oliveira; a grande Marília Pêra estudou canto e aprendeu a cantar, mas nunca será uma cantora. Ousariam Ângela Maria, Clara Nunes? Ridículo o que essa gente faz, caricaturando as melhores vozes que este país já teve. Precisam por em prática o que Elis declarou: “Cantar é fácil. Ser uma cantora é outra história”. Elis Regina foi, é e será sempre uma cantora com o brilho de uma estrela de primeira grandeza, pois, como disse o seu amigo Milton Nascimento, “Ela passou a vida lapidando a música”.
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LordHermilioWerther
Enviado por LordHermilioWerther em 17/03/2014
Reeditado em 17/03/2014
Código do texto: T4732596
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