UM DESEJO IMPERFEITO DO SUBJUNTIVO
     Eu queria muito saber escrever, mas escrever de um jeito que só de passar os olhos pelo texto as pessoas sentissem uma bruta curiosidade. E ao descobrir sobre o assunto, não resistissem à leitura. Que todos se identificassem com ele por uma ou outra razão, mas que isso acontecesse de uma maneira distinta e discreta. Daí, identificando-se com o tema se emocionassem ao ponto de tentarem, inutilmente, impedir o rolar de lágrimas teimosas e quentes. E tudo isso, mesmo sem anúncios, não resistissem também em compartilhá-lo. Seria, certamente, a história de um poeta.
          Queria que essa emoção tomasse conta dessas pessoas. Queria que a teimosia e o calor das lágrimas lavassem suas almas e purificassem seus espíritos. E que essa limpeza, ao mesmo tempo em que aliviasse, causasse também, desconforto, descontentamento, desencanto. Um desencanto grande como foi o do poeta. - Por quê? - eu perguntaria aos leitores. - Por que os sentidos de viver e os de morrer ultrapassam tanto e tanto a compreensão da gente? Há tantas tristezas... há tantas alegrias, juntas! Como aceitar, sem espernear, a doçura e a amargura ocupando o mesmo espaço no peito de um homem?
          Desejaria que a resposta não estivesse presente nesse texto, mas em algum lugar na emoção de cada um e que esse lugar jamais tivesse sido explorado. Que perdurassem as interrogações com seus desalentos e suas ilusões. E, ainda assim, depois da lavagem, que suas almas continuassem lhes pedindo mais banho; e seus espíritos, mais purificação. 
          Quisera eu, soubesse escrever um texto de um jeito que a leitura nos fizesse viajar para 1917, e pudéssemos - eu e o leitor amigo - convencer certo moço de que ele devesse desistir de aguardar a indesejada, porque ela não viria tão cedo. Que o desengano que tivera, causado por um fatídico diagnóstico, não tivesse passado de um engano com relação ao seu tempo aqui. Que ele tinha ainda um bom tempo para ser feliz! Porque o seu remédio já tivera sido derramado nos tinteiros e o seu próprio milagre tivera sido espalhado em brancas folhas. E que depois dele, muitos mais viriam - como vieram !... 
          Queria saber escrever de modo que confirmássemos a ele que uma nova Escola já apontava e que, tal como ele, também ela seria tema de muitos estudos literários! mas que nem por isso os madrigais findariam (– o que eu adoro em ti).
          Quem sabe assim, revelássemos a ele o futuro!. Revelaríamos que produziria encantos por mais meio século!. E que ele pudesse saber que teria ainda tempo de confessar, além do encantamento expresso nos versos como quem chora... (sim, como quem chora: como quem chora e morre de desalento, de desencanto) soubesse que outros seus versos encerrariam poemas com as lágrimas curativas e milagrosas da poesia. Que cobririam, seus poemas, o mundo inteiro!; que seus versos e os nomes de suas obras seriam citados em músicas de bom gosto... enfim...
          Eu queria; ah!, como eu queria... quem me dera soubesse escrever objetivamente, causasse emoções, não fosse confusa - obviamente; e nem "desse bandeira".
 


 
Imagem google
(Inspirado na crônica "Meu ideal seria escrever...", de Rubem Braga).
Marisa Silveira Bicudo
Enviado por Marisa Silveira Bicudo em 28/03/2014
Reeditado em 06/06/2014
Código do texto: T4747093
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