Festa de criança, calorias e espetinhos de frango

Festa de criança tem uma aura diferente. Afinal, como é possível reunir dúzias de guris sem que (geralmente) haja algum tipo de catástrofe? Inexplicável. Assim que você chega, os empurrões em suas canelas (causados pelo tráfego mirim) denunciam que aquele é um ambiente incomum. Se não tomar cuidado, você pode até atropelar alguém. Ou ser atropelado por um comboio.

E festa com cama elástica? Magia pura. Afinal, talvez este seja o único método eficaz para confinar 27 crianças em um espaço com capacidade para umas 12, no máximo. Elimina-se, de uma vez só, a correria entre as mesas, a queda misteriosa das cadeiras e a tradicional ralação de joelhos. Você se preocupa com o risco de um esborrachamento coletivo no brinquedo, mas logo se resigna ao papel de convidado. Engole os palpites junto com um copinho de refrigerante.

Após os cumprimentos e a entrega do presente (que a criança nem olha, ou que fica guardado com alguém), acha uma mesa. De preferência perto da cozinha. Afinal, tão importante quanto o carinho com o aniversariante é o apreço às frituras e aos açúcares. Em festa de criança vale até sair da dieta. Vale destruir a dieta.

Assim que você se senta, descobre uma pequena bandeja de salgadinhos em sua mesa. Prontamente começa a degustar tudo, como se sua vida dependesse disso. Vem a garçonete:

- Aceita mais um pratinho, senhor?

- Sim, por favor - responde, glutão.

O ritual se repete algumas vezes, e suas pernas dormentes denunciam que você não se levantou durante a primeira hora do festejo. Interagiu apenas com uns dois adultos e com o Rodrigo, que descobriu ser sobrinho da prima de uma convidada. Criança esperta, o Rodrigo. Resolve se levantar e dar uma espiada no pula-pula – que a essa hora já havia concentrado 33 crianças e oito brinquedos (pisoteados) simultaneamente.

Levanta-se e logo oferecem uma coxinha. Você aceita, apesar de, em menos de uma hora, já ter consumido gordura suficiente para entupir a carótida. Uma delícia. No caminho, observa um grupo de crianças disputando uma espécie de corrida em uma escada, enquanto alguns dissidentes do pula-pula passavam de mesa em mesa demonstrando verdadeiros talentos de parkour.

Mal engole a coxinha, e logo em seguida chega a você o mini-espetinho de frango. Irresistível. A primeira mordida rapidamente dá lugar a momentos de pânico incontrolável: aquele fiapo de frango ficou agarrado entre os molares, e uma análise sensorial mais atenta mostra que os incisivos também foram vítimas.

Você luta com a língua, em silêncio, e nada do frango sair. Tenta exaustivamente arrancar aquele intruso de sua boca sem que ninguém perceba, mas o máximo que consegue é uma dor na língua. Resolve mudar o trajeto e ir ao banheiro. No caminho, desvia de sete caminhões de plástico, dois palhaços e um trenzinho de brinquedo, para se dar conta de que errou a direção. Volta, enquanto sente que, sem querer, quase chutou três garotos que (jura) brotaram do chão.

Ao chegar lá, percebe que não há espelho. Tampouco fio dental. Enxágua a boca, tenta arrancar uma linha da própria roupa para fazer o serviço sujo, sem sucesso. Derrotado, volta para a mesa. Higiênico e com uma obsessão especial por dentes limpos, você decide não falar mais. Nas conversas seguintes, responde apenas com grunhidos emitidos com a mão sobre a boca.

- Hmm. Hm-hum. Nmmmm, diz.

- Grhnonon hmm?, indaga.

Enquanto isso, mais um grupo de crianças excursiona pela escada. Muitas ainda carregam presentes, e a outra parte da turba se concentra em segurar um cachorro ainda filhote. “De onde surgiu esse cachorro?”, pensa. “Será que foi presente?”. Se tivesse que apontar um responsável pelo sequestro, o palpite iria para o menino com a máscara de leãozinho. O jeito fofo dele não o engana. Ou teria sido a Joana, aquela com a câmera? Uma fofura, também. Ou seria uma dessas anarquistas da imprensa, disfarçada? Hmm.

Chega a mãe do aniversariante e corta seus pensamentos.

- Vamos cantar o parabéns? – grita.

- Hmmphs! - você responde.

Nova jornada até a mesa do bolo. Mas dessa vez, ao menos, poderia comer os doces. Sem fiapos.

Festa de criança é uma beleza, mesmo.