Café da manhã de hotel

Café da manhã de hotel é uma relação de amor e ódio. Você fica perdido em meio a tanta comida, e até seu lado mais otimista desconfia de que tudo aquilo está incluído na hospedagem. A tentação inicial é procurar alguma plaquinha que diga: “Rosquinha extra: R$2. Máximo de quatro panquecas por pessoa” – ou algo equivalente. Fica feliz quando não encontra restrições, naturalmente. Imediatamente, imagina uma espécie de open bar de iogurtes e sucos. E sem 10% do garçom, taxa de consumação, comandas ou o que for.

O lado odioso é precisar seguir o horário do hotel. Não se pode, simplesmente, querer tomar o café às três da tarde. Uma pena. Por isso, tomar café da manhã em hotel exige planejamento prévio. Um cronograma.

- Que horas vam’lá no café da manhã? – pergunta a mulher.

- Amanhã a gente vê – você responde.

- Mas está incluído, Jorge. Está incluído! Não podemos perder o café. Já viu como é bom o café da manhã do hotel? Precisamos decidir o horário para nos planejarmos.

E assim começa a burocratização dos seus momentos de folga.

- Tanto faz, Joana. E se eu quiser dormir até mais tarde?

- Mas Jorge, temos que acordar cedo pra aproveitar o dia – retruca a Joana.

- Eu aproveito o dia dormindo, Joana. Dormir pra mim é ganhar tempo. Aliás, se eu ficar cansado não aproveitarei mesmo o dia. Quem é que consegue sorrir para o sol com os olhos cheios de remela? – poetiza.

- Então precisamos dormir cedo.

- Mas já está tarde...

Impasse.

Depois de tomarem banho, o casal deita na cama.

- Decidiu, Jorge? – questiona a Joana.

- Decidiu o quê? – você mal-humoriza.

- O café, Jorge. Está incluído, lembra?

- Hm. Amanhã a gente decide! Na pior das hipóteses, vamos ali naquela padaria da esquina, almoçamos direto, sei lá. Se preciso, eu passo o dia com um Doritos, mesmo.

- Hmm. Não, Jorge. Pagamos caro... E café de hotel é ótimo! Aquelas panquecas são uma tentação – argumenta a esposa, gesticulando.

- Tentação é dormir.

- Você não tem jeito, Jorge. Então boa noite.

- Boa noite, Joana.

***

Dia seguinte, oito horas da manhã. O telefone do quarto toca e a Joana atende, animada. Era um casal de amigos que também estava no hotel.

- Oooi, Cláudia. Sim, já vamos descer! Sim, claro. Senão não pegamos um bom café. Um beeeijo.

Desliga o telefone.

- Jorge. Acorda, Jorge.

- Grnhmmmmn.

- Vamos lá, se levante, homem. O pessoal já ligou. Temos que nos aprontar para tomar o café! Está incluído na diária, lembra?

- Nhmmpffn...

- JORGE!

Você acorda.

- Joana... OS SABONETINHOS TAMBÉM ESTÃO INCLUÍDOS E VOCÊ NÃO USA NENHUM DELES! – contesta, pulando da cama.

- É diferente, Jorge. Usaria se fossem comestíveis.

- Não sabia que eu tinha casado com um dinossauro. Que apetite, hein – você ironiza.

- Ihhh. Deixa de conversa. Enquanto eu tomo uma ducha vê se lava esse rosto.

- Zzz.

Feita a toalete, ambos correm e encaram o elevador. Encontram com o casal de amigos.

- Ô Jorge. Melhora essa cara, rapaz. Está cedo, mas sabe como é, né? Está incluído na diária... – explica a cônjuge.

- É, Jorge. E você pode até afanar alguns pãezinhos, heh. – sugere o cônjuge.

O grupo chega ao andar do café da manhã, ainda quase vazio. Você, ainda meio descabelado e tentando se lembrar se trocou a camisa do pijama, pega um pratinho. A partir de então passa a ser um novo Jorge. Uma espécie de... Jorgeossauro. Depois de tanta conversa, decide destruir pelo menos metade dos pãezinhos com sua mandíbula. Ficaria com manteiga besuntada até nas sobrancelhas, e beiraria a overdose com sucos e bolos artificiais. Sua frustração seria doce, afinal.

Antes de chegar à mesa, o saldo é de três pães de queijo e duas rosquinhas já devorados. Afinal, estava tudo incluído. Uma delícia.

***

Acordar cedo para tomar o café do hotel é pior ainda para quem está acima do peso. Imediatamente, ao entrar no salão do café, a pessoa passa a ser vista não como um simples hóspede, mas também como um competidor. O instinto da busca por comida passa a se sobressair, e os hóspedes não começam a gritar e a proteger os próprios pratos apenas por convenção social. Entretanto, a partir daí passam a vigiar (nem sempre secretamente) as novas remessas de pão de queijo e tudo o que você come.

- Olha lá. Por isso está gordo desse jeito...

- É... Já é o terceiro sachê de açúcar, acredita? Cada um tem 20 calorias.

- Com tanta fruta ali na mesa... Pra quê o achocolatado?, se intrometerão.

Não importa o quanto o gordo já emagreceu, ou como foi o sofrimento dietético da semana: ele não tem direito a um café da manhã reforçado em uma eventualidade. Gordo está fadado a ter uma dieta de magro, independente da ocasião. Quando quer aproveitar, precisa se justificar.

- Mas tia... Está incluído na diária. Compenso as calorias comendo só salada no almoço.

- Olha lá, Marcelo. Depois não reclame do resultado na balança, ameaça a tia.

- Ah... O iogurte é light. Olha ali, ó – defende o sobrinho, apontando a placa na bandeja.

- E esses cinco pães de queijo?

- Ihhh. Trouxe pra todo mundo. Nem se eu fosse um dragão comeria tudo isso, esquiva Marcelo.

- Não quero, obrigada. Já comi umas frutas com cereais – super saudável.

Enquanto isso o Marcelo virava um sachê de suspeito no copo de suco.

- Marcelo! Suco de laranja já é doce!, explica a prima.

- É adoçante. Que mal tem?

- Não nos engane, Marcelo. GARÇOM! Isso aqui é adoçante? “Sacarina” é marca de açúcar, daquelas vagabundas? – questiona a tia.

- Tia...

Enquanto isso, a hóspede da mesa ao lado acompanha o debate, enquanto enrola metade de uma rosca doce no guardanapo. “Vou comer mais tarde. Afinal, está incluído”, pensa. Ah, e ela era magra, claro. Escapou dos julgamentos.