De Cigarras e Formigas

 
Um artista é alguém que produz coisas que as pessoas não necessitam, mas que ele - por qualquer razão - pensa que seria uma boa ideia dá-las a elas.
Andy Warhol

Tirei o domingo para trabalhar pesado. Aliás, há algum tempo, tenho aproveitado os finais de semana para realizar tarefas braçais que vinha procrastinando (uau! nunca achei que usaria essa palavra na vida!) desavergonhadamente. Enquanto eu suava no comando da serra tico-tico, pregos e martelo, o vizinho vivia na flauta, ou melhor, ensaiava chorinhos, na flauta. Mesmo com os vai e vens e repetições costumeiros dos treinamentos, a música alegrou a minha tarde, deixou tudo muito mais suave.
Senti-me a formiga da fábula de Êsopo, na versão de Monteiro Lobato: grata pela cantoria da cigarra, durante meu laborioso verão.
Gosto mais deste final do que do original, em que a rancorosa formiguinha nega ajuda à cantora. Minha preferência não é só por meu espírito predominantemente solidário, mas porque, como artista, nunca achei justo a cigarra ser punida por fazer o que sua natureza manda: cantar.
Concluo que a Grécia Antiga, a despeito de sua condição de berço do Teatro, não via arte como atividade produtiva e essa interpretação vem se perpetuando pelos séculos e séculos, amém. Poucos são os felizardos que conseguem viver de sua arte e a maioria de nós depende de empregos formais para sustentar sua paixão pela música, literatura, plástica, cênicas…
Mesmo quem atua profissionalmente e ganha dinheiro onde os outros apenas se divertem, vez por outra recebe convites para atuar gratuitamente, como “uma forma de mostrar o seu trabalho”.
Considerando que “de médico, poeta e louco todos nós temos um pouco”, se todo artista fosse viver de arte, ninguém faria mais nada, além de poesia e automedicação da loucura. Mas, há muita gente boa por aí, que não consegue espaço na mídia para alcançar seu público e segue produzindo arte apenas como hobby, para não morrer de fome e frio no inverno.
Somos uns pobres coitados, condenados a viver entre palco e escritório, muito mormente neste último, só porque o grego Êsopo não gostava de cigarras.
Ainda bem que ele nunca aturou a zoada delas na primavera de Brasília, senão, que mané, trabalhar de graça!? Artista ia produzir era na base da chibata!

 
Texto publicado no jornal Alô Brasília de 21/11/2014.