Meu Maravilhoso Avô Francês- Crônica.

Recentemente, ao ver um avião cruzar os céus, em direção à Paris, lembrei dele, de meu maravilhoso avo Francês, uma figura importantíssima em minha vida infantil, o avô dos sonhos de toda a menina. Deixem me traçar seu perfil para que se familiarizem com ele.

Leopoldo Bardou ,ou Seu Bardou, como corriqueiramente o intitulavam, nasceu em um vilarejo de Marseille, região da França.Perdeu mãe e pai, restando lhe um irmão que veio a falecer em idade precoce. Só, sem grandes perspectivas na vida, resolveu descobrir um novo país, uma nova família para si. Escolheu o Brasil e veio morar em Pelotas, devido ao clima frio,semelhante aos invernos europeus. Dois anos após ,esteve em Porto Alegre à negócios, onde conheceu minha grande e doce avó, com quem casou ,mudando de cidade. Ajudou a criar o filho, meu pai, porém era muito severo com ele, o que os distanciou. Apesar das relações estremecidas com meu pai, ligou se muito a minha bela mãe a quem acompanhava, orgulhoso, ao médico ginecologista para fazer seus exames pré natais. Na época em que nasci, para nos manter, meu pai, ainda estudante de medicina,fazia exaustivos plantões, e quem acompanhou minha amamentação foi Seu Leopoldo que sentava, embevecido, ao lado de minha mãe e que me tirava de sobre seu seio, saciada, para me colocar no berço. Fazia lhe,depois, companhia ,até meu pai chegar. Um dia, ele chegou tarde e Bardou começou a reconhecer seu valor como médico e trabalhador e lhe disse “que largasse um plantão,ele lhe daria o dinheiro, e que desse mais atenção a minha mãe que era a mulher dos sonhos de todo o homem, e a mim”. Neste dia começou o entendimento entre padrasto e enteado.

Seu Bardou se vestia sempre elegantemente ,de terno, gravata, colete e chapéu. Tinha, de lembrança de Marseille, um enorme relógio de ouro que pendurado por um fio, ele colocava no bolso do colete. Além do relógio, trouxe também sua grande flauta que tocava nos serões familiares. Eram sua únicas recordações da França, os únicos pertences da vida passada..Sempre sereno, tranquilo e seguro, meu avô jamais se alterava com as pessoas, antes, as entendia, esclarecia , explicava e conservava a educação e a elegância.

Como todo Francês, tinha lá sua rotina. Assim, pela manhã tirava os ovos das galinhas e comia um, quentinho e recém posto, à guisa de desjejum. Os outros ,e eram muitos, levava a minha avó que preparava gostosos doces de ovos ou saborosas omeletes. Feito isto, ia ensacar as frutas no jardim e o fazia uma a uma, minuciosamente, e com amor ,para que elas não pegassem bicho e apodrecessem. Ele mesmo confeccionava os saquinhos durante o verão e os colocava cada um em uma fruta, fossem as peras, goiabas, laranjas, pêssegos ou figos. Quando estavam maduras ele as colhia dentro dos sacos e entregava a minha avó, que cozinhava seus famosos doces em calda de frutas ou compotas , as quais servia geladinhas, como sobremesa para a família. Depois do almoço,meu avô estudava música e treinava em sua flauta e, à tardinha, costumava tomar uma cachaça importada quando dizia, que “ia matar o bicho” ou seja, matar a saudade de sua Pátria, a amada França, na varanda da casa.

Quando comecei a falar fluentemente, perto dos dois anos e meio, meu avo comunicou a minha mãe que não me desse mais bonecas naquele aniversário, pois mandara importar uma boneca americana ,quase do meu tamanho e que falava, para suprir a falta da irmã que eu tanto pedia. Chegada a boneca para mim, extasiada ,pois era quase do meu tamanho, me disse que seu nome era Lili, da musiquinha que cantarolou:-Lili é uma boneca!Ai,Lili,Ai Lili,Ai Lô!!...Dias depois pediu a minha mãe para me levar a conhecer Porto Alegre todas as quartas, à tarde.

Nossos passeios eram de ir da rua Pereira Franco a pé, até o aeroporto, ele levando me pela mão e com Lili, a boneca, ao colo.Contava me durante o passeio, deliciosas estórias da França, e me explicava e esclarecia sobre os pintores e os poetas franceses, Flaubert, Maupassant, Renoir e outros. Iniciou assim minha educação artística.

Terminávamos o passeio contemplando os enormes aviões da Varig, aos quais ele apontava o dedo e me dizia serem aqueles os que singravam os ares à busca de Paris. Perdi o medo de aviões que, quiçá ,poderia ter ,com Seu Bardou.

Outro passeio era irmos à Banca 53 do Mercado Público, onde, apesar de probidos por mãe e avó, nos enchíamos com seus deliciosos sorvetes, uma a duas bolas de chocolate e morango e depois completávamos com saladas de frutas cobertas de nata. Ah, felizes tempos! Ah, maravilhosa infância! Eu, Seu Bardou e Lili!

Quando meu avô morreu eu contava quinze anos e me neguei a vê ló morto , antes, quis o preservar vivo como doce e amada lembrança.

Até hoje, quando vejo um avião rasgar os céus de Porto Alegre rumo à Paris, lembro de meu grande e maravilhoso avô Francês. Até hoje quando sento em uma poltrona de um jato, recordo do seu quente e carinhoso colo.

Et, Vive La France!

Suzana da Cunha Heemann
Enviado por Suzana da Cunha Heemann em 29/11/2014
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