"Meu Saboroso Purê de Maçâs"-Crônica.

Dia destes fui retirar o meu prato de purê de maçã de dentro da geladeira e vi uma cara risonha dentro dele, uma cara pertencente ao meu passado de criança feliz, pois era a cara de meu alegre tio Português. E o que fez ele para que eu o recorde hoje em meio ao meu delicioso purê de maçãs?

Seu Moreira, como era chamado no Bairro São João em que morávamos, veio de Portugal para Porto Alegre mandado pela família.Filho único de agricultores pobres dos arredores de Lisboa, desembarcou no Brasil para sobreviver. Chegou com uns tostões com os quais comprou um banquinho de engraxate e fazia os sapatos dos cavalheiros na rua da Praia. Fez o ginásio assim, e sobreviveu dos cruzeiros que ganhava bem como da caridade que o vestia e alimentava. Encontrou logo depois um emprego de vendedor de automóveis e melhorou seu status. Veio parar em nosso bairro quando eu já era nascida, tinha três anos, ao casar com uma de minhas adoráveis e generosas tias, a Maximiliana ou Tia Querida como era chamada. E ela, embora não fosse bonita,era realmente uma querideza de pessoa, sempre risonha, gentil e simpática na vida. Tio “Moleila”, como eu o chamava era um homenzinho pequenino, magro e ágil, parecia um bonequinho de borracha. Tinha uma grande boca risonha, era quase beiçudo,pequenos e redondos olhos verdes, sobrancelhas e cabelo negros e espessos e a cara com uma pele vermelha, bexiguenta, toda marcada por buracos de varíola. Falava com um sotaque forte de Portugal, sendo às vezes difícil o entender, porém as pessoas gostavam, imitavam o Moreira, riam dele, brincavam e o apreciavam. Uma ocasião, Tio Moreira andou se sentindo muito apagado frente aos outros homens do bairro e, para aparecer, comprou uma enorme caminhonete vermelha, e carros vermelhos não eram comuns na época. Eu adorava quando ele passava em casa e me colocava ao seu lado na caminhonete vermelha. Ia buzinando e as pessoas abanando para nós divertidas, apontando o dedo e dizendo: -Olha lá o Moreira com a Suzana na caminhonete vermelha! Que buzina forte tem Seu Moreira!

Pois o Tio Moreira tinha o hábito de me encher de maçãs e me trazia sacos delas em meus aniversários, Natal e Páscoa. Pequena ,eu queria ganhar bonecas, vestidos ou jogos e estranhava por que deste tio eu sempre, irremediavelmente, ganhava maçãs. Acabei chorando e soluçando desesperada em um de meus aniversários, quando ele novamente chegou com as maçãs, e reclamei para espanto e desgosto de minha mãe, que vinha há um ano me contendo para que eu não falasse. Então ,o Tio sorriu muito para mim com aquela cara bexiguenta e os pequenos olhos de fresta verdes, brilhantes, e me explicou que me dava maçãs porque para ele, era a fruta mais linda que existia, era a única fruta que colhiam ele e a família em Portugal em seu jardim, onde haviam varias macieiras plantadas.Muitas vezes sobreviveram ele e os pais destas maçãs. Em seguida me sentou no colo ,e contou a história de Adão e Eva dizendo que mesmo Deus gostava de maçãs, e que o Tio Moreira não era Deus porque gostava do “fruto proibido”. E, através de maçãs do Tio Moreira, começou na infância a minha educação sexual contada por meu Tio Português .

O purê de maçãs que tinha dia destes na geladeira foi saboreado e acompanhado de risos, saudades e gratidão para meu genial e criativo Tio Português.

E agora digam:- Seu Moreira, não era, realmente, tão delicioso quanto uma tigela de Purê de Maçãs?

Suzana da Cunha Heemann
Enviado por Suzana da Cunha Heemann em 07/03/2015
Reeditado em 07/03/2015
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