EU, PRISIONEIRO DA CIDADE, FLERTANDO A CIDADE (Homenagem à poetisa e professora, Maria Célia Pinho)
As praças, as ruas, as calçadas, são os olhos do mundo.
Eu faço parte desses olhos.
O meu olhar vai de uma esquina a outra.
Ele é tão veloz como o vento, arredio e atrevido.
Faz levantar as sobrancelhas, os cílios das calcinhas,
Ventila o dia no calor do meu descontentamento.
O meu olhar contempla a cidade local, ronda o mundo,
A pátria perdida e cerceada do pode-não-pode.
Aquele velhinho sentado em sua cadeira, na calçada,
Recebendo o frescor das lembranças,
Ainda causa-lhe desafios,
Pensar que a sua infância ainda não morreu.
O meu olhar é atrevido,
Ele flerta o futuro como sendo algo nu, desprotegido,
Jogado à mercê do trabalho escravo, do amor livre.
Em cada esquina, debaixo das marquises,
As camas estão lá, frias, famintas à espera do nada.
Lá vem o carteiro com uma mochila cheia de novidades,
Uma carta de amor, um cartão postal (enviado por algum exilado),
Um carnê de IPTU, uma notificação do cartório,
Um celular novo, (substituindo o velho de ontem).
As crianças correm ao encontro da mãe,
Com medo de abrirem os bombons que foram distribuídos
No portão da Escola.
O medo e a liberdade estão nas ruas, nas praças da cidade.
A minha preocupação primeira é desviar o meu olhar
Das balas de borracha.
Namoro no banco da praça.
Abraço a árvore, a múltipla árvore; regando-a, "tiro uma casquinha".
Porque a lua acabou de nascer, tudo cresceu.
Nas ruas, calçadas e praças, os sonhos criam asas;
Nada míngua, tudo fica cheio.
Enquanto o orvalho banha o meu corpo,
As minhas mãos se enchem de lua.
Pedro Matos