A Triste Morte da Bezerra

A Triste Morte da Bezerra

Estávamos eu e minha esposa conversando sobre vários assuntos enquanto andávamos de ônibus, um longo percurso.

Quando a conversa acabou ficamos olhando a paisagem urbana, e ela sem ter o que dizer, tentando decifrar os meus pensamentos, soltou a seguinte frase, "você está pensando na morte da bezerra?". Respondi que sim e contei a ela como ocorreu.

Era uma vez uma bezerra linda. Sua família teve a sorte de viver numa rocinha pequena e simples, agricultura familiar. Sua mãe vaquinha tinha seu bom marido boi, um exemplo de pai cuidadoso, amável com sua mãe, era alegre, estimada e além de tudo uma esposa fogosa também. Naqueles dias de cio ela fazia o seu marido boi se sentir o boizão mais feliz do mundo.

A vida se seguia, andavam em bons pastos, água corrente para se beber, sombra e caminhadas. Uma bela família. Se divertiam, brincavam, uma beleza de felicidade.

Às vezes o pai era solicitado para puxar um arado e tal, e ele até gostava, isso o deixava vigoroso.

Voltando para casa depois do labor para se encontrar com a sua família ele foi mordido por uma cobra venenosíssima. Morreu.

Sua esposa estranhou a demora, se informou com os demais animais e contou sobre a morte do papai à sua filha, a bezerra. Ela chorou demais, depressão de dias, semanas, a falta do pai amigo e protetor encerrou a sua felicidade. Descobriu que a vida era dura e injusta, sem explicação divina ou coisa parecida. Deixou de acreditar em Deus, ao menos fazia questão de ignorá-lo.

Passadas algumas semanas o fazendeiro colocou outro boi no mesmo pasto da vaca mãe viúva. Ele viúvo também, tinha filhos, bezerros bem agitados e cheios de brincadeiras extrovertidas.

Aos poucos o convívio foi se estreitando e a bezerra filha começou a viver normalmente, a depressão foi amenizada, engavetada. Ela brincava e um dia até sugeriu para a sua mãe vaca que desse uma chance ao boizão e aos seus filhos. A mãe vaca sempre dizia que não, que eram amigos, "ninguém tomará o lugar do seu pai, morrerei só".

Algumas semanas depois, o cio. O tal cio que mexe tanto com as fêmeas. Feromônios, seducão, gracejos, transaram...

Eles começaram a gostar um do outro, mas o pai tinha comportamentos estranhos com a bezerra filha. Por várias vezes a levava para cantos estranhos e tentava assédios sexuais. Ela se defendia e voltava para a segurança da mãe. Ficou decepcionada e sentindo-se culpada por tudo, por indicá-lo à mãe, e agora por isso que estava acontecendo. Pensava no falecido pai e sentia culpa, vergonha, medo... sua depressão e revolta contra o Alto foi desengavetada. Contava para a mãe tudo o que estava acontecendo, porém a mãe achava isso uma besteira de menina que ainda não entendia dos cios, das vontades animalescas, a vida. O abuso ia se repetindo frequentemente e cada vez com mais uso da violência, pois o boizão padrasto via que sua mãe, a vaca - que agora está buchuda - não lhe dava mais tanta atenção e nem era mais atrativa sexualmente.

Chegou o dia do parto. Mãe vaca e sua cria morreram. Uma grande perda para o pequeno agricultor.

Seguiram-se os dias, meses e a bezerra, que perdeu o pai, a mãe, e era abusada sexualmente pelo padrasto boizão, ia desfalecendo em depressão. Ela não conseguia comer mais nada. Os filhos do boizão entraram no abuso, além do ato, ainda por cima davam-lhe coices e mais coices, a espancavam. Ela ficava desfigurada, péssima, moribunda, tendo alucinações e desmaios devido à desidratação, pois os ferimentos e mazelas emocionais lhe tiravam o apetite, a fome, a sede, a vontade de viver.

Orou a Deus pela última vez e optou por morrer. Decidiu morrer de inanição.

Em quinze dias a bezerra morreu.

E foi assim a história da morte da bezerra na minha versão.

Minha esposa chorou. Chegamos ao ponto final e continuamos nossa caminhada, pensando na triste morte da bezerra.

Christiano Buys

Christiano Buys
Enviado por Christiano Buys em 02/08/2015
Reeditado em 02/08/2015
Código do texto: T5332159
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